29 outubro 2005

Calçadas

A melhor propaganda da Feira do Livro de Porto Alegre não está nos outdoors ou nos anúncios de jornais. É o lilás das flores dos jacarandás espalhadas pelas calçadas de toda a cidade que tornam impossível não lembrar da praça da alfândega e suas barraquinhas. Tinha pensado nisso, sentido isso, juro, antes de me dar conta de que o logotipo do evento este ano é o desenho de uma árvore cuja copa são muitas letrinhas - na cor lilás. Está nos outdoors e nos anúncios.
Ainda calçadas: nesta época do ano, elas também começam a ser das pitangas e das amoras que caem dos pés crescidos em canteiros de ninguém.

27 outubro 2005

Strokes em POA

Chegada (1)
No meio do caminho, tem um valão parente do Dilúvio. Primo distante. O show lá, nós aqui e o valão no meio. O jeito é buscar o primeiro vão. Jogging por um matinho que se acha grama.

Chegada (2)
Modernos... Gurias de gravatas, guris escabelados e com paletós dois números menores e abotoados de maneira torta. Meninos que parecem meninas. Morte aos “mudernos”. Não agüento mais. Tinha esquecido que isso era inevitável num show dos Strokes.

Chegada (3)
Agora junta com os “mudernos”, churrasquinho de gato + cambistas + cachorro quente + batida de abacaxi com cachaça vendida aos chocoalhos no cordão da calçada (calçada?) + meninas de 11 anos.

Revista (1)
Não pode entrar com garrafa d’água. Eu sabia, tinha lido, mas achei que na área vip podia. Mais tarde, vou descobrir que não só não podia como não precisava: bebida não faltava ali naquele puxadinho perpendicular ao palco que eles chamam de área vip.

Revista (2)
Quero colaborar. Chego arreganhando fechos da bolsa para a tia com pinta de baiana-que-vende-acarajé. Não olhou para minha bolsa que dirá para minha cara. “Tem franguinho assado aí, querida?”, pergunta me passando como quem tira do caminho um galho de árvore desgarrado e já olhando para o que vinha atrás de mim. Claro que não tem, mas claro que no susto me vejo quase respondendo, ainda bem que falo baixo. “Entra, entra”, ela diz sem esperar que eu cerre os fechos da bolsa de novo.

Área vip (1)
10 passos e pelo menos três meninos não modernos, sarados e excessivamente simpáticos já tinham me oferecido champanha. Legal o jeito que eles seguram a garrafa. Mas eu queria cerveja. Achei. Em seguida, achei a minha amiga, a autora do convite que me levou até ali numa terça-feira à noite.

Área vip (2)
O chão é acarpetado de preto. Mal acarpetado. Isso significa que você não tem certeza do início e do fim dos degraus e que pode tropeçar ou em pontinhas do carpete descolado ou em bolsas e sapatos de quem, enfim, está curtinho o show. O vaivém de meninos simpáticos segurando charmosamente suas garrafas de champanha continua. E eu, na cerveja.

Área vip (3)
O banheiro é químico, claro. Mas a experiência é sensorial. Completo escuro. Você se fecha ali dentro, não tem a menor idéia do que se avoluma sob seus pés (serão “restos?”), nem onde começa o vaso e qual, digamos, seu diâmetro. Ainda bem que o papel higiênico é branco (bem, acho que era papel higiênico aquilo...) e que os celulares têm telas iluminadas. Na rua, na área formada pelas duas fileiras de cabines químicas colocadas em 90° uma em relação à outra, fica um cara borrifando bom ar. Um aerosol em cada mão, como um pistoleiro do fedor. Mais cerveja.

Área vip (4)
Alguém brinca perguntando das trufas. Cola. As trufas de chocolate aparecem mesmo. Duas me salvaram. É a hora da água sem gás.

O show? Ah, o show foi tribom. Last night (last nite?) mil vezes em relação a Is this it.
Quem é o cara que ficou com a guitarra? Quem?

26 outubro 2005

Frase de mãe

Do filme Casamento Grego. O pai da Tula descobre que ela está com um cara que não é grego e faz o maior drama pela casa. Na cozinha, ela justifica ao ouvir da mãe que terá de acabar o namoro:
- Mas eu o amo.
A mãe:
- Ora, Tula, coma alguma coisa.

Coincidência

Clima no ar. O cara dá a entender que está a fim durante boa parte da festa, mas tenta manter o clima, afinal, um passo a mais e serão necessárias definições, que podem não dar em nada, enfim, aquela coisa. Na carona de volta, vai te deixar em casa, todo o cuidado até então com o clima está ficando cada vez mais complicado de manter. A sutileza: saca um pacotinho de halls. Um para ele outro pra ti.

22 outubro 2005

Da série "Não estou nada bem" (2)

Seca na Amazônia, incêndios em Portugal, enchentes na Ásia, mais um furacão-tufão-ciclone na América Central. Talvez a maior parte das pessoas permaneça alheia a essas notícias, como se fossem muito distantes, porque de fato são mesmo distantes. Mas fiquei pensando no dia em que os efeitos-da-mão-do-homem-sobre-a-natureza chegarem bem perto, interferindo sem escalas na nossa vidinha de indiferenças.
E se a chuva mudar? Se, em vez de água, caírem pingos endurecidos, metalizados, tilintando no asfalto, como pregos, furando lonas, machucando folhas ou fazendo sangrar os ombros de sem-tetos ou o dorso de cachorros de rua? Que barulho infernal seria. Que tipo de guarda-chuva seria necessário? E se as tempestades não escurecerem mais o céu, mas o contrário: deixarem-no em permanente relâmpago, como uma explosão atômica? E se os raios não vierem mais de cima para baixo, mas de baixo para cima, obrigando as pessoas a andar com proteções pára-raios nos solados ou estudando o próximo passo como se estivessem em um campo minado? E se os ventos não dobrarem mais as esquinas, mas soprarem em nossas cabeças, abrindo carecas à força, como quando ficamos sob ventiladores de teto? E se a terra não der mais frutos e ficarmos dependentes de pílulas de laboratórios americanos? E se a noite durar meses nos obrigando a viver como ursos? E se também o dia durar meses nos impedindo de adormecer como Al Pacino em Insônia?
E se não houver tempo para arrependimentos, remorsos e o derradeiro pedido de desculpas?

Infância (3)

Sessão da tarde. Achar longo o fim de semana e que um ano é muito tempo. Dividir a vida em bimestres ou em marcos: “antes de” “depois de” datas como páscoa, dia da criança, natal e aniversário. Comer de colher. Chorar um dia inteiro pela morte de um cachorro. Nescau. Chambre e pantufa no inverno. Bota de plástico quando a chuva é apenas uma previsão. Sacolé no verão. Férias de três meses. Responder a chamadas na aula. Sentar à mesa “quebra-galho” em festas de família. Beijar o rosto barbudo dos tios. Ganhar a primeira bicicleta e pedalar na rua mas “só” até a esquina. Atacar alguém com um beliscão. Levar um beliscão. Se perder no corredor do Makro em dezembro. Sentar em colos. Ir até a venda. Dinheiro amassado na mão. Escrever a lápis. Implorar para que a mãe encha a piscina de plástico no primeiro dia de calor.

21 outubro 2005

Escolhas

Entra a instrutora no vestiário da academia com uma revista nas mãos. Toda feliz. Comenta com os alunos para os quais acaba de dar aula o tema de capa da revista de turismo: 80 ilhas paradisíacas. (Ou qualquer coisa assim, mas eram 80 ilhas, lembro bem). Dá a entender que procura um roteiro de viagem de férias.
Cá comigo: se há uma maneira de não decidir por roteiro nenhum é ler essa matéria. 80 ilhas! Se com 8 já não seria simples, imagina 10 x isso? E, se são paradisíacas, não devem oferecer muitos atrativos fora os paradisíacos, próprios da mãe natureza. Imagino ela em dúvida entre um pôr-do-sol vermelho-alaranjado e um outro laranja-avermelhado. Ou entre uma praia de mar azul piscina ou outra de águas verdes e calmas. Puxa, fiquei com uma pena dela...

Desinteligência

Sei que pago um preço por não ter canais fechados na TV de casa. Não tê-los e ainda mais por não desligar o aparelho depois que acaba o Jornal Nacional. É uma desinteligência – para usar uma palavra criada pelo personagem Gomes, da novela América. Acho incrível quando ouço alguém dizer “que palhaçada” tal novela, “que ridícula”. O que essa pessoa esperava do programa? Não sei por que brasileiro leva tudo na brincadeira, menos novela... Aí, quer levar a sério.
América tem algumas coisas que valem a pena – para rir, claro. Não, não valem nada, não mudam a sua vida, mas eu não tenho outro assunto por hora. Como acho engraçado, vou tentar fazer você rir também – nem que seja de mim.
Flagrantes divertidos
1) O personagem do Tiago Lacerda (Alex? Roberto?) está preso há semanas. Fica lá atrás das grades, mas detalhe: o cabelo continua com gel!!! A cela é comum, a prisão é comum, e o cara usa gel!!!
2) O sotaque caipira totalmente fake do Reginaldo Faria
3) Cena: aniversário da Florzinha, personagem da Bruna Marquezini. Batem na porta, alguém abre, e entra o Feitosa (Aílton Garsa) trazendo um baita de um urso à frente do corpo/do rosto, fazendo micagem, como que querendo se esconder, para passar a impressão de que o bicho de pelúcia tinha vida. Detalhe: a Florzinha é cega.
4) Falando em Feitosa, o tema do personagem é a canção Meu Ébano, da Alcione. Cuida alguns trechos da letra e tira tuas próprias conclusões.
“É, você é um negão de tirar o chapéu/Não posso dar mole senão você... créu/ Me ganha na manha e babau/ (...) Um príncipe negro, feito a pincel/ É só melanina cheirando a paixão (...) / Meu preto retinto, malandro distinto/ Será que é instinto /Mas quando te vejo enfeito meu beijo, retoco o batom/ A sensualidade da raça é um dom/ E você, meu ébano, é tudo de bom!!!

18 outubro 2005

Infância (2)

De pé na areia fofa, úmida e esponjosa, esperar quebrar a onda mais forte, aquela que dá a última cambalhota já na beira da praia, só para sair em disparada, correndo dela como se fosse alguma ameaça real.

KAda 1 KAda 1

Em dias de chuva ou em horários de pico. Ou em dias de chuva em qualquer horário. Ou ainda em horário de pico sob chuva, ao cruzar a pé a Protásio (e podia ser a Ipiranga, a Bento, a Perimetral), não consigo evitar a impressão de que ter um carro é estúpido.

16 outubro 2005

Cruzes

No post sobre 2005, faltou o principal! O começo do fim. Ou o fim do que parecia só o começo. Com pude esquecer? Bom, lá vai uma das maiores rasteiras do ano, senão de todos os tempos: o PT é igual aos outros! E porque sempre jurou não ser é ainda pior do que os outros. E porque sempre jurou não ser em meio a tantos que são e sempre foram, o fato de ser é também seu álibi, sua defesa, por mais confuso que isso possa parecer. Enfim, o PT não é o PT. Ele não existe como PT. Eu não disse que 2005 está sendo um ano estranho?

Mas q coisa...

Preocupado sempre com a dos outros, jornalista em geral não tem uma vida boa, saudável, embora pense que tem (saudável, nem cogita, nem quer, me refiro ao boa) – porque a pretensão é inerente a essa espécie. Nas redações, tem de ser imparcial, criativo, além de humanizar as pautas e mostrar todos os lados de um fato (ao menos pensar neles e encontrar um meio de fazer de conta que mostra). Deviam humanizar é as redações. Além do mais, eu queria ser era criativa na vida. Na minha vida. Eu preferia ser capaz de ver com lucidez todas as possibilidades da minha própria vida. Da minha. Da minha.

Boca-a-boca

Você nunca se sente santificada, pura, assexuada? Como se não precisasse de tudo aquilo? AQUILO. E eis que, em um dia assim, você abre a janela de sua casa, faltando só estar vestida de branco para completar a condição angelical, e vê um outdoor sobre gel lubrificante... Íntimo. De morango. DesnÉcessário, como diria o ministro Gil. Quem precisa de um anúncio em outdoor de lubrificante com cheiro e sabor? Desculpe o trocadilho, mas algumas propagandas deveriam ficariam restritas ao boca-a-boca.

Horário de verão

Acredito que temos direito à alguma forma de compensação. Desde a 0h de hoje, algum pagamento deveria estar em nossas contas. Por garantia. Todos aqueles que morrerem até a meia-noite de 19 de fevereiro terão sido roubados pelo horário de verão. Uma hora inteira da vida roubada. E uma hora é muita coisa. É tempo suficiente para que algo ocorra e nos dê a certeza de que a vida vale a pena.

10 outubro 2005

Puxadinho

Alguém querido tem uma idéia legal para depois do vôlei de sábado: que tal um churrasco? um galeto? Oba. Daí você tem que meio que "fazer sala" para uma guria com cara de enjoada boa parte da noite, quando queria, na verdade, sentar à outra mesa, mais interessante - ou com possibilidades mais interessantes. Frase mais simpática vinda da guria, sobre a garagem da casa do alguém querido que ofereceu a brincadeira:
- Legal esse puxadinho.
Justiça divina: no final da noite, a guria realmente fica enjoada. Deve ter sido o pão com alho.

07 outubro 2005

Da série "Não estou nada bem"

Eu queria jogar tênis só para usar aquelas roupas das meninas. Saiote. Tênis com meinha. Corpinho. Faixa no cabelo. Tudo branquinho. Mas hoje, que chove tanto, vi um motoqueiro com aquelas roupas inteiras, de borracha negra, como que saídas de um tanque de petróleo, vedadas dos pés à cabeça, e quis também usar aquilo. Me imaginei dentro daquilo, sob chuva, como um anfíbio do exército, pronto para qualquer terreno, e uma irresistível sensação de proteção me invadiu, tão tentadora como pernas femininas bem torneadas e inchadas pelo esforço físico podem ser sob um saiote branquinho.

01 outubro 2005

Miudezas (2)

O mais chato de varrer é juntar o cisco. Sempre surge mais um. Como uma matryoska (ou matrioska?), aquelas bonequinhas russas feitas de madeira, em que dentro de uma tem sempre outra e outra e outra e outra...

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio