12 novembro 2005

O esmalte da mamãe

Da infância, tenho poucas imagens da mulher que era minha mãe. Ou da mulher vaidosa que ela deveria ser. Lembro dela colocando perfume antes de dormir. A interpretação de que ela estava indo se deitar como mulher é mais recente - meu pai já a esperava -, mas lembro que o som do spray me dizia alguma coisa. Não interessa o que aconteceria depois. Me intrigava essa preparação.
Outra era a cena com o esmalte. Com o vidrinho daquela tinta de cheiro forte. Minha mãe dona de casa terminava os afazeres domésticos e, no fim da tarde, cruzava a sala esfregando, girando o vidrinho entre as palmas das mãos. O vaivém fazia um barulhinho dse dois metais se tocando, num ritmo que ela controlava. Às vezes, era rápido, ela tinha pressa, e logo sentava-se à ponta da mesa da cozinha para pincelar a ponta dos dedos. Um agradinho quase diário à mulher vaidosa, convocando-a antes que meu pai chegasse.
E eu cresci achando que os vidrinhos de esmalte faziam barulho ao serem sacudidos. Eu desconfiava que não fazia sentido. Eles não tinham por que trazer no seu interior uma esfera metálica. E ainda que viessem com ela, a pastosidade do produto impediria que se chocasse com as paredes de vidro. Ainda assim, lembro da vez em que segurei um esmalte e imitei minha mãe, rolando-o por entre minhas palmas. Não houve o barulho. Só o roçar desajeitado de mãos ainda pequenas. E pensei: só minha mãe consegue, orgulhosa dela. Querendo um dia ser ela, capaz de tirar som de um esmalte.
Não sei exatamente quando me dei conta de que o barulho era provocado pelo roçar do vidrinho com a aliança de casamento que ela trazia no dedo. Não sei exatamente se queria essa explicação. Preferia pensar que era um poder exclusivo de minha mãe, da mulher que era a minha mãe.

9h30

Nove e trinta é um horário tão bonitinho para acordar, né?
- Que horas tu acordou?
- Nove e meia.
Que meigo.
Talvez porque não possamos sair da cama se lamentando: é um horário digno, tende a fechar um tempo suficiente de sono mesmo que se tenha aproveitado bem a noite/madrugada.
Seis, sete, até as oito é proletário demais, espartano. Sem poesia. Então, com poesia, às nove e meia deslizamos da cama. Não saltamos dela, esbaforidos. 9h30min deve ser o horário mundial da espreguiçada, do bocejo, do sorriso monalisa ainda de olhos fechados. É o horário do despertar retratado nas propagandas do leite molico, sabe? Clean. E o em torno de 9h é perfeito até fisiologicamente, já li sobre isso. Parece que depois disso, o corpo "entende" que pode enfiar o pé na jaca (ou a cabeça no travesseiro) e aciona mecanismos do tipo 'cara amassada' o dia inteiro, ainda que você se levante ao meio-dia (ou justamente por isso).
Nove e meia, então, é o limite. Não é 10h. A partir daí, levantamos com culpa. Se não, corremos o risco de alguém nos tocar ela.
- Que horas tu acordou?
- Dez e pouco.
- Puxa, quem dera! Essa hora eu já estava cansado de estar de pé - acusa o outro.

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio