19 novembro 2006

Gostaria de dar sua opinião?

Eu ainda vou conseguir, eu ainda vou ter coragem. É sempre assim: penso que vou fazer, chega na hora não sai. Venho pelo meio das araras, sacola na mão, às vezes nem isso, só tinha entrado ali para dar uma olhada, e vejo de canto de olho a funcionária, de pé ao lado do totem, na saída da loja. Disfarço, faço cara de quem está preocupada com a bolsa de valores de Nova York, às vezes mergulho a cara dentro da sacola, como se estive procurando algo, ocupada. Mas não adianta. A moça dá um passo adiante, toda irritavelmente gentil, e se dirige a mim (a mim! a mim! tinha tanta gente em volta! ou não tinha?):
- Por favor, gostaria de dar sua opinião?
Hrrrrrrr. É claro que eu não gostaria. Senão, teria ido em direção ao totem. O que eu faço? Dou um sorrisinho mais irritante ainda do que o jeitinho da moça e lá vou eu com o meu dedo no botãozinho verde, o do satisfeito.
Por que nunca consigo apertar o vermelho? Ao menos o amarelo?
Nem se trata de 'não satisfeito' ou 'mais ou menos satisfeito'. É só uma loja, é só uma passada, é só mais uma blusa ou mais uma calça. Só isso, não houve tempo de ficar isso ou aquilo.
Se é só para constar, por que não aperto o vermelho? Só pra variar um pouco. Será que, se apertar o vermelho, o gerente da loja leva um choque por meio wireless? Será que vão me seguir no shopping, perguntar o que houve, me levar pruma sala com banheira de hidromassagem e champanhe para tentar reverter minha opinião? Será que vão ampliar meu limite no cartão? Claro que não. Então, por que não consigo apertar o vermelho, droga?!?!
Será que a loja não desconfia do resultado nunca? Não desconfia que suas funcionárias ficam escolhendo pessoas incapazes de conseguir apertar o vermelho?
Ainda vou apertar o vermelho.

18 novembro 2006

Perdendo a festa

Sabe aquela frase que diz mais ou menos isso: 'a vida é o que acontece enquanto a gente se ocupa fazendo planos para o futuro'?
E sabe aquela outra, que afirma que um filme, uma cena dele, uma sacada, uma mensagem pega cada espectador de forma diferente, porque toca em experiências particulares e tals?

Pois bem.

Esses dias vi o filme "O ano em que meus pais saíram de férias". O ano é 1970, os pais são da esquerda, as férias se tratam de um sumiço forçado deles, fugindo da repressão da ditadura, e o "meus" ali indicam o personagem principal: Mauro (Michel Joelsas), um garoto com lá seus nove anos apaixonado por futebol. Apaixonado pelos pais também, obviamente.
E é aqui que entra a primeira frase ali de cima: ocupadíssimo com, primeiro, a proximidade e, depois, os jogos da Copa do Mundo de 70, Mauro vai viver um dos momentos mais terríveis da vida dele e de quebra do Brasil. Vai vivê-lo como uma criança vive, sem saber detalhes, mas desconfiando da gravidade - como de resto, provavelmente, boa parte da população à época.
Os pais "saem de férias", e o guri segue a vida. Embora à espera do pais, ansioso, distrai-se com a iminência da Copa - quando crianças, como é bom contar a vida com antes e depois de certas datas, né?
Só que a promessa dos pais de estarem com ele na estréia do Brasil não se confirma. E no dia que Mauro acreditou ser o mais importante da sua vida - o Brasil na final -, reencontra a mãe, definhada por ter sido torturada. O pai morreu. E ele descobre tudo isso, longe da TV, sabe-se lá se conseguindo ou não perceber - talvez não - os fogos e os gritos de alegria das pessoas, comemorando o tricampeonato do Brasil no México.

Quando vi isso - a possibilidade de, em algum momento da nossa vida, sermos catapultados para uma realidade quase paralela, mas seguramente alheia ao dos outros -, me lembrei de mim mesmo no Réveillon de 1999 para 2000.
Era uma data meio mágica, completamente simbólica. A virada do século, ainda que a rigor matematicamente não fosse. Quem nunca pensou: hm, como estarei na virada do século?
Eu pensava, claro.
Pois nessa noite eu estava em um quarto de hospital, com minha mãe, irmãos e cunhadas. Nem o silêncio do ambiente permitiu ouvir os fogos estourarem nos céus de Porto Alegre. O clima era pesado demais, duro, como uma nota grave de piano. Eu via as luzes pela janela, e pensava nas outras pessoas. Do nosso lado, meio inconsciente, meio lá meio cá, estava meu pai. Nessa virada de ano tão mágica, 2000!, foi difícil pensar em esperança. Meu pai morreria sete dias depois.
(Aqui, se explica a lembrança da segunda frase no início do texto.)
Quando vi o Mauro perder a comemoração da Copa de 70, sobrepujado, atropelado pelos acontecimentos da sua vida (e, no caso do filme, do Brasil), eu lembrei desse dia. O filme me colocou naquele quarto de hospital outra vez, e eu vi de novo a lágrima escorrer do canto do olho do meu pai quando eu me estiquei cama adentro para lhe dar um beijo e, putz, desejar-lhe um feliz ano novo.

Às vezes, a festa simplesmente não é para a gente.

***
O filme
Bom, meigo. Mas apesar de todo o talento do menino que faz o Mauro, o meu personagem preferido é a Hanna (Daniela Piepszyk).

11 novembro 2006

Um filme inconveniente

Ontem, assisti ao filme Uma Verdade Inconveniente – um documentário sobre o trabalho de alerta para o aquecimento global que o ex-vice presidente do EUA Al Gore vem fazendo. Confesso que não sabia que ele se engajara nisso há tanto tempo. Que entrou na política para ver se conseguia mudar isso. E começou aí o filme a se encaixar na minha zona de emoção enquanto espectadora.
Ok, é muito irônico que um norte-americano, um cara que esteve perto do cargo dito mais importante do mundo (a presidência dos EUA) defenda com tanto afinco o cuidado com a emissão de CO2 na atmosfera. Os EUA não ratificaram o tratado de Kioto, que prevê isso – a nível diplomático, de blábláblá, claro, mas prevê. Mas é justamente aí que o filme começa a te pegar: Al Gore deixa claro que foi lá e não conseguiu fazer grande coisa. Ou seja: essa constatação só deixa mais evidente o tamanho do problema.
Bom, e aí o que o Al Gore decidiu fazer? Putz, quando ele falou o que decidiu fazer, eu simplesmente percebi um nó sendo lentamente atado na minha garganta e meus olhos iam nublar sem volta...

Tá, o documentário é documentário, mas tem uns toques (truques) cinematográficos, meio clichês, mas que impressionam os mais sensíveis: uma e outra história pessoal, um e outro discurso mais contundente, câmera fechada no rosto do cara convicto, música ao fundo, como se ele fosse o mocinho dos filmes de Hollywood que a gente vê desde criança. Reconheço tudo isso, mas o nó na minha garganta não desatou.
Quando Gore viu que não havia Vontade Política (em caixa alta, sim, porque nesse filme fica claro que ela é uma entidade à parte, incompreensível, indomável) para que se evitasse uma catástrofe (para a qual cientistas americanos alertam desde os anos 60!), ele decidiu que ia sair pelo mundo contando o que sabe de pessoa em pessoa.
Cara! Consegue compreender a força disso? Ele vai falar de um em um!
Ok, ele foi vice-presidente dos EUA, vai ser recebido com facilidade e provavelmente muitos de sua platéia estarão lá apenas para fazer um H. Mas haverá aqueles que se impressionarão com a Verdade Inconveniente e contarão a outros, a outros e a outros.
Isso é emocionante! Até por ser quem é, o Gore está usando essa condição para, putaquepariu, tentar salvar o planeta.
Que caralho!
Você consegue se imaginar fazendo um milésimo disso na sua vida inteira?!?!?!? Que porra que você veio fazer nessa vida?
Não importa se ele vai conseguir alguma coisa, entende? Importa que ele está fazendo, que ele acredita no que está fazendo.
Depois que o filme acaba (e com eles os truques melodramáticos), me acalmei. Saí do cinema com o nó mais frouxo na garganta, mas com a inconveniente verdade me cutucando a consciência. Não só a inconveniente verdade do aquecimento global. Todas as inconvenientes verdades que a gente conhece e pelas quais não luta, não faz nada, às vezes sequer reconhece.
Que filme inconveniente praqueles que acham que 1) não têm nada pra fazer nessa vida e que 2) seus problemas (inhos, inhos) cotidianos são os mais importantes do mundo.

04 novembro 2006

Ai, que vontade

Acabei de andar num jeep pela primeira vez. Acabei de DIRIGIR um jeep pela primeira vez.
Adorei.
Pintura mais ou menos, motor de não sei o quê, caixa de não sei qual outro, freio meio baixo demais, marchas duras, aceleração alta, pastilhas um tanto gastas e alguns pingos que podem ser vazamento.
Azar.
Meus cabelos estão embaraçados até agora. Tudo bem.
Tá difícil de resistir à vontade de comprá-lo.

Foi a Gláucia, do Margarida, que...

me apresentou a esse texto. Não, eu não corro. Quer dizer, corro, mas tão pouco que nem me atrevo a afirmar que corro. De competição, então, nunca participei, a não ser uma rústica do colégio pelas imediações do Julinho. Mas eu adoro suar. Eu gosto da sensação de cansaço físico, é como se eu me sentisse realmente viva e integrada a algo mais instintivo e natural. Acho suar algo sensual, sexy. É por isso que gosto desse texto, que a Gláucia pôs no blog dela e eu descaradamente copiei aqui:

“Corro porque sou kantiana. Não sigo os instintos da minha natureza, mas, sim, torno-me aquilo que não sou por uma razão maior. Procuro sempre dominar minhas deficiências, sendo a preguiça a maior delas. Poderia estar perfeitamente preguiçosa, mas não estou.Outra ressalva, em minha alma, é que ela é triste. Só que não posso estar triste, pois devo, à minha obra, maior discernimento e, às minhas filhas, a força para criá-las fortes. Então também corro porque o contrário disso seria chorar, reclamar sem nada fazer e fumar mil cigarros. Dizem que quem tem a lua em Peixes, no zodíaco, como eu, tem tendência aos vícios. Corro, portanto, dessa queda para a autodestruição, pois não existe melhor química contra depressão do que a endorfina.Correr, assim, é meu remédio. A minha meditação. Correndo sozinha, estou em minha melhor companhia. Faz mais de dez anos que sigo fiel a essa saudável rotina. Já adquiri até uma sesamoidite crônica, mas tenho um bom médico de pés, e palmilhas especiais.Dizem, os invejosos, que correr envelhece. Bom, o tempo envelhece. E eu prefiro enfrentá-lo na minha melhor forma. Nunca tendo sido gostosa, correndo, jamais ficarei caída.Há os que garantem que correr é um modismo urbano. Não sinto dessa maneira, ou jamais teria me tornado adepta. Sou avessa a coisas “in”. E, como também não sou dada a coletividades, sequer costumo correr em grupo. Mesmo nas corridas dos circuitos, das quais eventualmente participo, quando não estou sozinha, estou com um amigo silencioso.Corro, acima de tudo, porque gosto. Às vezes, chego quase a chorar, tamanha a emoção. A sensação é de que estou deixando o que fui – meu passado é um resíduo que defendo, mas não carrego – para trás; e meu corpo agradece, renovado. Todos os músculos bem preparados para minha defesa, ou daqueles que de mim precisarem.Sim, corro porque posso. Agradeço aos bons joelhos que possuo, que me sustentam sem reclamar. Claro, tenho métodos, tenho cuidados, tenho as minhas trilhas prediletas. Dou o melhor de mim nesse projeto, pois dependo dele para viver. Porque corro, não fumo mais. Porque corro, alimento-me melhor. Porque corro, não perco as sextas na biritagem – adoro correr aos sábados.
Concluindo, corro para não preencher perfis óbvios. Pois correr, no meu caso, é praticamente uma contradição. Porém insisto nisso, encarando como uma manifestação política, talvez mais significativa que votar. Corro, por causa disso, com toda a elegância e humildade. Aprendendo a cuidar bem desse corpo que Deus habita.Por fim, eu corro porque acho bonito gente correndo, e quero que as minhas filhas vejam que todos somos capazes de mudar. E porque não suporto fazer regimes – é isso: corro porque adoro comer pizza à noite.”
(fernanda young, na revista O2 de setembro)

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio