30 março 2009

Eu caí antes

Como terminou uma semana cocô de treinos? 
Com um tombo, já na volta pro clube, sem sapatilha, na calçada em frente à entrada. Bum! Os dois joelhos no chão, meio que por cima da bicicleta. Eu vinha tentando fazer algo que ainda não sei, como se pode notar. Vinha tentando descer da bike com ela em movimento. Cruzei a perna esquerda por trás e joguei um pouco a bike pro mesmo lado quando já tinha as duas pernas juntas, pé direito sobre a sapatilha e esquerdo ali pertinho. Estava conseguindo! Milésimos de segundos de secreta euforia. Eis que vem um casal, saindo do restaurante e cruza minha frente. Depois disso, só lembro que já me levantava do chão. Toda lanhada e suja. O que me fez decidir limpar a bike. Porque basta cair, não preciso ficar cheia de graxa, neh?
Depois, fiquei pensando... A quantos centímetros meu pé esquerdo estava do chão? Poucos, possivelmente. E o direito, livre da sapatilha? Também! Por que caí, então?
Na verdade, eu caí antes de cair. Eu me entreguei quando vi que tinha uma desculpa para cair, o casal. Porque no fundo eu estava duvidando de que conseguiria.
Psicologia barata? Pode ser... Mas ainda assim dá o que pensar.
Lembro que, no curso de educação física, eu vivia caindo nas aulas de ginástica olímpica. Era uma das práticas mais difíceis e tensas para mim. Uma vez, no final da aula, o professor me chamou num canto e disse (eu já contei isso aqui? Não lembro... é a idade.): "Loraine, sabe por que tu cai? Porque tu não confia em ti".
Bah, aquilo valeu por anos de terapia. Tanto que nunca esqueci, nem vou, provavelmente.
Depois de uma semana cocô de treinos, dos quais só se salvou a corrida, o tombo me ajojou. Me encolheu. "Tu pensa demais, Lo", diria meu treinador. Ele só não disse porque não contei nada ainda... rsrs. Hoje, recebemos todos da equipe um email dele. Contava da prova que fez em Lima, no Peru. E ver o entusiasmo dele diante a adversidade meio que me envergonhou. Não havia mais lugar pro meu desânimo - coitado, que eu já vinha brigando com ele o fim de semana inteiro.
Daí fiquei pensando na força que as pessoas têm na vida das outras pelo simples fato de compartilhá-la, de conviverem umas com as outras. É claro que há aquelas que não agregam nada na tua vida, mas tem tantas outras que fazem diferença. Pra ficar nessa área de treinos, tem ainda o Sargento, que gosto de saber que está por perto quando vou competir. Mas falo em geral. Lembrei de um advogado pra quem faço alguns textos. Ele é tão pró-ativo, tão inquieto e vibrante que uma reunião a cada 10 dias com ele deveria ser recomendada pelo Ministério da Saúde. Ele te liga na tomada. 
Tenho uma amiga que, embora tão indecisa como eu às vezes, consegue sempre me ajudar, lembrar quem eu sou, o que já fiz, do que sou capaz. "Não te mixa", ela diz. E funciona. Outros amigos e amigas "me enquadram" quando a coisa parece desandar. Outros são apenas conhecidos, não são íntimos, mas também provocam esse clique. E não há nada formal, não há discurso nem fórmulas. É apenas energia mesmo. 
Conseguir estabelecer essas conexões é muito legal. Não é o que chamam de viver?
Como eu começo uma nova semana de treinos? Renovada. Pensar sobre isso e escrever me emocionou. E deixar a lágrima cair sempre me renova. 

ps.: será que eu deveria ter cruzado a perna direita e não a esquerda?

29 março 2009

Limpando a praça

Eu passei pela praça e tinha uns caras com uniformes aparando a grama. Deve ser aquelas coisas de 'adote uma praça', neh? No meio deles, atirado no chão sob o sol, dormindo um sono tão denso que parecia de morto, tinha um homem. Desses de rua, tão comuns que meu olho só os vê quando estou a dois passos daqueles corpos amontoados entre calçada e muro.
Alguém adotou a praça, alguém cuida daquela grama e daqueles bancos e lixeiras, mas ninguém acha que precisa cuidar daquele homem.
A constatação não me exclui. De alguma forma, temos todos responsabilidade sobre o mundo em que vivemos. Complicado é fazer algo na prática. Constatar é só constatar, infelizmente.
Eu constato, por exemplo, que tenho vontade de xingar quem usa mangueira d'água para varrer calçada. Eu constato que fico chocada quando vejo alguém jogar lixo pela janela ou bagana de cigarro na calçada. 
Mas na prática... eu provavelmente leve mais tempo no banho do que precisaria e talvez gaste tanta água quanto os varredores de calçada. Outro exemplo: eu tenho várias sacolinhas de pano mas nunca lembro de levá-las comigo e acabo voltando com as de plástico do súper.
E isso tudo (+ outras percepções mais pessoais) é só a ponta do iceberg, só o que percebo. Imagina o que ainda não sei?
Nossa, como ser humano/a é confuso. Deve ser por isso que limpar a praça é mais fácil.

26 março 2009

O mundo gira e nos espera numa boa

Não sei se tem a ver com o trabalho na área da comunicação, possivelmente outros segmentos oportunizem a mesma experiência, mas sempre achei curioso observar a chegada de novidades, a reação a elas, depois sua popularização. E às vezes isso levava um ano, um ano e meio, desde eu ouvir falar pela primeira vez até a coisa ser comentada ou executada por uma amiga/conhecido meu.
As redações de jornais tendem a ser bem conservadoras. Reagem mesmo só quando algo já as está atropelando. Lembro quando começou a coisa do orkut. Embora teleguiada pelo conservadorismo, redação que se preza tem um ou outro "antenado", "maluquinho", em geral da área de cultura ou de tecnologia. São eles que defendem as maluquices, que é como a gente tende a receber uma novidade. 
Então, veio o orkut e todo mundo torceu o nariz, entendendo como coisa menor, coisa de adolescente - e adolescente não é gente, claro... Hoje, a gente vê reportagens sendo feitas com a ajuda do orkut. Mesma coisa com os blogs. Vi gente rindo dos "diários". Hoje, são dezenas deles em cada portal de grupo de comunicação da grande mídia. Teve o MSN tb. Chegou-se a proibir a ferramenta; agora, editores e repórteres do interior só se falam através da ferramenta. No momento, é o twitter, e tô curiosa para acompanhar o que vai acontecer até sua popularização. Pode também não dar em nada, como aconteceu com o Second Life, recebido com pompa e circunstância. Em geral, as coisas que vem pra ficar não fazem alarde.
Mas não falo só de tecnologia. Aliás, não é tecnologia. Isso é comportamento. E nesse sentido dá para citar outras coisas, mais corriqueiras até.
Tatuagem, por exemplo. Já foi preciso escondê-las. Hoje todo mundo tem uma. Até na orelha, no lugar do brinco. Hehehe
Ou como o namorado dinamarquês, ou holandês, de uma amiga. Ele vinha pra cá, isso há uns 10 anos ou pouco mais, e ficava espantado quando passava por um parque. Ele olhava pra minha amiga e dizia: "por que vocês só caminham e não correm?". Hoje em dia, é tanta gente correndo que, dependendo da hora e do local, é mais fácil correr na Andradas.
E há coisas mais "sérias" também, e é aí que eu quero chegar. Algumas bastante relevantes. Eu lembro de ouvir histórias de como o cara que criou o Gurgel foi desdenhado ao apostar em carros elétricos, defendendo que campo é pra plantar comida e não combustível. Agora, ele não está vivo para ver a indústria automobilística ser vista com ressalvas por sua ode ao petróleo.
No fórum de Davos 2009, e não precisa entender muito de economia para ter sacado, os questionamentos eram muito próximos dos feitos pelo fórum social mundial de anos atrás.
O que aconteceu? O mundo girou.
Agora, dia 28/3 (e finalmente chego aonde queria chegar), vai acontecer a Hora do Planeta. Às 20h30min, estamos convidados a apagar/desligar por 60 minutos toda forma de uso de energia, em protesto contra o aquecimento global, ou comunhão pela vontade de salvar o planeta. 
Há coisa de cinco, seis anos atrás, eu lembro de receber no meu "email da firma" relises de ONGs bicho-grilo sugerindo a mesma mobilização. Eu lembro de editores sérios rindo ou nem lendo o email, mandando direto pro lixo, afinal, ele tinha coisa mais importante para fazer. Agora, a Hora do Planeta tem patrocínio, propaganda na Globo com narração de ator global, site e... cobertura da imprensa.
O mundo gira mesmo, mas em termos de "saúde do planeta" eu não sei se ele nos espera numa boa.

23 março 2009

Arrependimento (1)

Uma vez eu voltava sozinha de Dom Pedrito no meu superKa. Saí muito cedo da cidade, era noite ainda, e fazia um frio do cacete. O casaco que eu usava me cansava os ombros. Era eu, o casaco, o carro e a estrada. 
Na verdade, no início, apenas um feixe de estrada, um vão que os faróis iluminavam. O resto era escuridão. Uma estrada reta sem fim e sem sinalização, principalmente até Bagé, com uma paisagem lateral sem fim também. 
Daqui a pouco apareceu um caminhão, que claramente "me acompanhou" durante um bom tempo, até o dia começar a clarear. Nos tornamos parceiros daquela estrada vazia. Até que ele fez sinal de luz, buzinou e entrou numa estrada lateral. Parceirão. 
O dia estava clareando, e tinha orvalho congelado nos campos. Muito bacana. Senti uma sensação muito grande de liberdade. Melhor estilo road movie, sabe? Ai, tah...: era um Ka sim, era vindo de Dom Pedrito e a estrada não era o bicho, mas cada um com seu road movie, ok?
O cenário foi mudando e comecei a passar por encostas que se erguiam mais próximas da estrada. Tipo morros, sabe?, mas baixos, que formavam um pequeno corredor. Eles estavam brancos de tão frio que fazia. Não posso dizer que era neve, mas eles estavam brancos. E com os primeiros raios de sol, a própria superfície do carro "suava". Então, quando eu mergulhava nesses corredores brancos, onde ainda fazia sombra, os retrovisores externos congelavam. Ficavam inteiramente branquinhos. Aí, eu saía do corredor e derretia. Outro corredor, retrovisores branquinhos de novo.
Tive vontade de parar o carro no meio daquilo e descer. E encarar o silêncio que imperava ali. Encarar o friozão. Ir o mais próximo possível dos morrinhos congelados e tocar naquilo. E ficar parada ali: eu, o Ka, a estrada, o casaco, os morrinhos e nada mais. NADA. Por quanto tempo eu poderia ficar ali sem que nada, rigorosamente NADA, acontecesse?
Não sei.
Eu não parei o carro. Eu não desci. E neste instante tive certeza de que me arrependeria pro resto da vida.

Se bem que, me esforçando um pouquinho, posso sentir minha mão congelada tocando naquele tapete branco. Sim, posso. Posso ouvir o silêncio. Posso sentir o prazer de ter descido. Posso sentir o pavor/prazer da solidão ali. O pavor/prazer de ser um pontinho naquela imensidão congelada. Posso lembrar da estrada vazia até onde o olhar alcançava, seja pra lá, seja pra cá. Posso recordar a confusão de sensações: não ver ninguém mas imaginar que tinha alguém me vendo, escondido em algum lugar.
Será que não desci mesmo?
Ser esquizofrênica tem lá suas vantagens.

***

Tenho de cuidar o que escrevo aqui. Não sei se todo mundo entende quando brinco e quando falo sério.
Você não acha que sou esquizofrênica, acha?
Eu acho que você devia gastar seu tempo pensando no que você é. Parece mais útil.

20 março 2009

Feliz ano novo (ou.. eu não tinha título melhor)

Quando se vê de fora e quando se começa nisso, parece que correr é só correr, pedalar é só pedalar, nadar é só nadar. São coisas inteiras, cada uma, uniformes. 
Com o tempo, isso muda. Ao menos pra mim mudou. Não vejo mais só uma corrida, só um pedal, só uma natação. Isso é o que está na superfície. Na intimidade com cada modalidade, se descobre corridas dentro da corrida, pedais dentro do pedal, nados dentro do nado. 

Eu posso correr com passadas largas, depois com curtas, eu posso correr com o braço fazendo um movimento mais amplo ou mais curto, balançando-os ou firmes na técnica. Eu posso ritmar tudo isso pensando no tira-põe-tira-põe-tira-põe dos pés ou contando as expirações. Eu posso correr fazendo o movimento concentrada no abdomen. Ou concentrada nos glúteos. Eu posso olhar pro chão ou posso correr buscando referências lá na frente. Posso me inclinar ou me manter mais reta.
Eu posso pedalar girando muito rápido, girando bem pesado, puxando o pedal, empurrando o pedal, fazendo força com os braços trazendo a direção para o peito. Ou socada no banco ou encostando nele de leve. Posso ir subindo a velocidade devagar até encaixar. Posso passar o treino todo tentando encaixar uma velocidade que eu ainda não alcanço sem morrer logo ali na frente. Posso pedalar pensando em jogar os joelhos pra cima, ou querendo enfiar a sola do pé no asfalto. Posso me deitar sobre a direção ou erguer o tronco mais pra trás.
Eu posso nadar deslizando os braços lá na frente, fazendo carinho na água, girando bem o corpo. Posso, ao contrário, nadar fincando a mão na água como se tivesse pás, agredindo a água, ou abraçando-a, empurrando-a como montes de terra para baixo de mim. Posso nadar retomando o braço rapidamente ou posso finalizar demoradamente, empurrando com a palma toda a piscina para longe. Posso bater pouco as pernas, posso bater muito. Ou posso não bater nada, trazendo o corpo de arrasto. Posso variar o número de respirações/braçadas. 

Nadando, pedalando ou correndo, as variações dinamizam o treino e ajudam (muito) a passar o tempo mais rápido. Mas não é só isso. A grande sacada, eu acho, é que não se trata apenas de descobrir jeitos de correr, jeitos de pedalar, jeitos de nadar. Na brincadeira da variação, a grande descoberta é de você mesmo. São vários vocês dentro de você. Um deles é o você ideal pra cumprir a planilha naquele dia.

Hoje, encontrei a Loraine certa já no ônibus a caminho do clube. Eu senti que seria um treino bom. Deve ser o ano-novo astrológico, a energia ariana, de Marte, o fogo. Estava louca pra correr. A cada 50m na piscina, eu pensava "menos 50m pra eu ir pra rua". Veio a chuva e eu queria mais ainda. 15km de prazer. Nem sempre é assim. E tudo bem. Não precisa ser sempre assim. Não tem de ser. Não quero que seja. Quero descobrir mais Loraines e, principalmente, encarar de frente aquela que sugere desistir, reduzir, parar quando tá difícil.

E agora eu lembrei de outra coisa associada aos treinos, que eu vou contar noutro post. Preciso "encaixar" no post certo. Eu sei que o texto vem. Ele sempre vem. Texto também tem disso: quem vê de fora parece que escrever é só escrever. Não é. Há opções de textos dentro do texto: ritmo, tom, tamanho das frases, pontuação, humor, o lugar certo da palavra, com blablabla, sem blablabla.

De suar e de escrever. Eu gosto dessas duas coisas intimamente.

14 março 2009

Durma sem derramar

Tem dias que não adianta estar cansada, não adianta ter passado o dia sonolenta. É deitar na cama e algum mecanismo desconhecido pra mim dispara. Sem controle.
Um pensamento atrás do outro, atrás do outro, atrás do outro, atrás, por cima, por baixo, as horas passando, o corpo quieto, a cabeça girando, alerta, acordada. Mais do que acordada, independente de mim. 
Ontem foi assim. E foi do tipo de turbilhão que surge um texto. Tem giros mentais que não dão em lugar algum, mas há os que resultam em texto. Como ontem. Eu tentando dormir, e a cabeça lá montando um texto à revelia de mim. 
Não ria, não desdenhe, não duvide. Acontece mesmo.
O texto fica lá, se movimentando sozinho. Um parágrafo deslocando pra cá, outro pra lá, o texto vai espichando, vou ficando com medo de perder alguma parte, penso se devo levantar da cama e escrever, fico em dúvida, volto para o texto pra ver até onde já foi, começo a achar que vou perdê-lo, repasso cada frase, outra que não estava ali surge agora, fica tudo emendado, como uma folha impressa e rabiscada em volta. Cada vez mais difícil de decorar.
Não quero perdê-lo, não posso perdê-lo, mas não levanto da cama para despejá-lo, vomitá-lo, expulsá-lo de mim. E então fico com aquilo, temerosa, cuidando que nenhuma frase ou parágrafo escape até o dia clarear e eu ter tempo de guardá-lo em algum lugar. Como se eu equilibrasse um copo transbordante de líquido e quisesse que nenhuma gota caísse no chão. Como quando enchemos as forminhas de gelo com água e temos de levar até a geladeira sem derramar. Parece tão curto o caminho, tão fácil, mas tão improvável evitar o pingo no chão.
Fico lá, segurando isso. É bem assim. Juro.

O texto de ontem? Vou segurar o copo mais um pouquinho. 

09 março 2009

Arco e flecha

É bem coisa de criança fazer perguntas surpreendentes com um genuíno desconhecimento da resposta (e um comovente interesse por ela). E entenda-se por surpreendente tudo aquilo que desbrava na mente da gente um caminho ainda não percorrido, ou seja, todo raciocínio que embaralha o que a gente já cimentou como verdade ou fato.
Esses dias uma amiga minha me contou de uma dessas perguntas, feita pelo afilhado dela. Ele brincava com um arco e flecha daqueles cuja ponta de borracha gruda no alvo preso à parede. O presente havia sido dado pela minha amiga. O garoto com, não sei ao certo, seis anos talvez, acertava o alvo muito bem. Para brincar com ele, ela tentou também. E errou. Então, ele decidiu explicar a ela como fazia, "ensiná-la". Nas tentativas seguintes, ela começou a acertar mesmo. E ele, a errar. Daí que o guri pensou um pouco e perguntou algo como isso: "Dinda, quando a gente ensina alguém, mostra como faz, a gente deixa de saber, de acertar?".

Me surpreendeu um pouco a convicção com que minha amiga explicou que não. Mas ela estava certa. O guri precisava de convicção para voltar a acertar. 
Necessárias, fascinantes e ilusórias. As convicções.

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio