29 janeiro 2011

Roubos (5)

Às vezes, umas perguntas surgem lááááá no fundo. No núcleo. No meio do caroço. No meio da semente. No recheio. Lá, bem dentro da gente. Um lugar tão doido, tão doido que é por isso que fica lá, bem no fundo. Um lugar que se comporta geologicamente. Ora como um vulcão (de tempos em tempos, entra em atividade), ora como placas tectônicas (e sabe-se lá que tsunami vem daí...), ora como... sei lá.
Daí surgem as perguntas. Ou a pergunta. Às vezes, é uma só. E ela fica lá, pairando no ar, pendurada no teu varal mental. Ou guardadinha numa gaveta do inconsciente. Vc não sabe, mas está sendo movido por essa pergunta. Parece que a pergunta surgiu sem importância, vc se distraiu um pouco com ela e deixou pra lá. Vc não consegue associar de imediato que seus movimentos estão, no fundo, a serviço da busca por aquela resposta. Vc quer a resposta. A pergunta tem uma, sabe que tem uma. Elas, a pergunta e a resposta, se viram lá no fundão, lá no meio do caroço, se conhecem, viviam lá, mas se desencontraram na erupção. Emergiu só a pergunta. O fundão sabe que elas podem se achar novamente. Por isso, você não esquece a pergunta, e lembra dela quando (re)conhece a resposta.
Quanto tempo leva para a resposta (re)nascer?


***

O roubo do título deste post está aqui, ó, do livro OSHO - Meditação, a primeira e a última liberdade. (Obrigada, Mangla!):

"Aprenda a fundir corpo, mente e alma. Descubra maneiras de funcionar como um todo, por inteiro. Isso costuma acontecer com quem corre. (...) os corredores muitas vezes têm uma vivência muito forte de meditação. E se surpreendem, porque não era isso o que estavam procurando - quem pensaria que um corredor iria ter uma experiência divina? Mas acontece. Vc já correu por esporte? Gostava de correr de manhã bem cedo, quando o ar fresco e puro, quando o mundo inteiro desperta de uma noite de sono para um novo dia? Vc estava correndo e o seu corpo funcionava harmoniosamente, o ar estava fresco, o mundo renascia, vc se sentia tão vivo... Chega um momento em que o corredor desaparece e só a corrida permanece. O corpo, a mente e a alma começam a funcionar juntos e, de repente, ocorre um orgasmo interior.
Alguns corredores já tiveram acidentalmente a sensação dessa quarta dimensão, turiya. Pensam que foi só por causa da corrida que o momento lhes pareceu tão belo (...)
(...) Nunca se torne um especialista em corridas. Continue sendo um amador para não perder a capacidade de se manter alerta. Se, em algum momento, vc achar que a corrida se tornou automática, pare de correr e experimente nadar. Quando a natação se tornar automática, experimente a dança. O importante é lembrar que o movimento é apenas um pretexto para criar a percepção. Enquanto estiver criando percepção, o movimento será bom. Caso contrário, não terá mais utilidade. Passe para outro tipo de movimento em que seja preciso permanecer alerta. Nunca deixe que uma atividade se torne automática."

Por que roubar? Explico aqui.

É uma Brastemp

Esse vídeo foi "o" assunto do dia no twitter. E acho que tem a ver com o post anterior, no qual eu contei um pouco do que ouvi durante a Semana ARP da Comunicação, onde, entre outras coisas, se falou/conversou sobre o futuro das marcas. E eu contei ali da necessidade da verdade. Da necessidade de as marcas/empresas fazerem mais do que dizerem que fazem. E associei tudo isso a uma postura mais ética ou a um conjunto de valores/virtudes. É certo que sim, mas o que força as marcas e as empresas a reverem suas condutas não é necessariamente suas consciências, não é necessariamente o deitar-a-cabeça-no-travesseiro-e-dormir-tranquilo. É isso que, de modo macro, se está cobrando sim, mas, na prática, o que ajuda a tornar a ética, a verdade um bem de qualquer negócio hoje é simplesmente o fato de que nada mais fica escondido, nada mais fica entre A e B. Tudo fica conhecido. As redes sociais vivem da transparência.

O vídeo.
http://www.youtube.com/watch?v=riOvEe0wqUQ&feature=youtu.be&a

Fica claro que algum estrago na imagem da marca isso deu. Mas quanto? Fica claro que isso vai movimentar a empresa internamente. Parece que algo, alguém ou algum processo dentro da empresa não está, na prática, alinhado ao que a marca promete quando fala de si. O que isso tem a ver com a gente? Se coloca no lugar do funcionário. E pensa no teu trabalho/na tua profissão. Não há mais espaço ou tolerância para quem trabalha sem acreditar no que faz. Porque, se tu não acredita no que faz, não entende, não veste a camisa, uma hora tu relaxa, se larga, faz as coisas "nas-coxa". E isso, mais do que atrapalhar a empresa, nossa, isso vai te comendo por dentro, vai te estragando por dentro. E disso que se falou na Semana ARP. Um dos que melhor falaram disso foi o Anselmo Ramos, da Ogilvy. Abaixo, alguns trechos dos hábitos/virtudes/atitudes que ele acha que precisam ser fomentados todos os dias:

Coragem
Coragem é o mais importante de todos, impulsiona todos os outros hábitos. O medo é o pior dos vícios. O que não falta na nossa indústria é cérebro. O que falta é coluna vertebral, gente que faça acontecer.

Idealismo
É preciso haver propósito, um ideal. Se você trabalha em um lugar e não sabe qual é, cobre. Só o dinheiro não se sustenta como ideal. Temos de acordar todo dia e saber por que estamos indo trabalhar.

Desdenho pela mediocridade
A gente acorda todo dia e tem uma escolha: se vai ter um dia médio ou não-médio. É uma escolha.

Sinceridade
A importância de ser brutalmente honesto. O tapinha nas costas atrapalha o trabalho. Deixar de falar o que a gente realmente pensa é mais fácil. Se falar, gera desconforto, raiva, mas é o melhor a longo prazo. É melhor ter uma conversa desconfortável do que fazer de conta que está tudo bem.

Intuição
Às vezes, a gente precisa de números demais, o tempo todo, para confirmar o que já sentimos como certo. Temos de ouvir mais a voz interior. Carl Young dizia que intuição é a percepção via inconsciente.

22 janeiro 2011

Dimensão espiritual

Olha essas frases:

1. "O sal da vida são as diferenças, conhecer as pessoas... A diferença alimenta a generosidade. Amar o outro. Enxergar o outro como alguém tão importante como a gente."
2. "As pessoas têm de aprender umas com as outras."
As pessoas não devem ter medo de falhar. Falhar, fazer errado e começar de novo faz parte da vida."
3. "No fundo, nosso maior medo é ser poderoso demais. Nossa luz interior é que dá medo. Não são as trevas. Nos perguntamos: 'por que eu vou ser brilhante?' Mas devemos pensar: 'por que não podemos ser?'"
"Se comportar de maneira pequena não ajuda o mundo, não inspira o mundo. Seu maior diferencial competitivo é ser o que você realmente é."
4. "A mensagem que tenho a dar é... sei lá. Sei lá significa não ter certezas."
5. "A diferença entre o bom e o positivo é que - embora ambos se refiram a alguma coisa boa para você e para o outro -, no positivo, esse resultado é duradouro."

Onde você acha que eu tive contato com essas frases?
a. ( ) num livro do tipo Osho... tipo física quântica... tipo, sei lá, Paulo Coelho...
b. ( ) em palestras de um centro espírita kardecista
c. ( ) durante um curso motivacional
d. ( ) em palestra de um guru budista
e. ( ) nenhuma das anteriores

A resposta é letra E. Mas podia ser qualquer uma das anteriores. Foi isso que me intrigou. "O que está acontecendo aqui?", eu me perguntava enquanto assistia aos palestrantes da Semana ARP da Comunicação. Foi no início de dezembro e, desde os primeiros dias, tive vontade contar aqui o que ouvi lá.
Os temas das palestras, como não poderia deixar de ser, focavam os desafios da comunicação, do marketing, da publicidade, das marcas. A novidade? A tendência? Ser verdadeiro. Fazer as coisas com uma intenção genuinamente transformadora. Com amor. Com presença, e não mecanicamente. É a "dimensão espiritual", ouvi várias vezes.

Não é incrível?
E não te parece óbvio que falar de marcas é falar de pessoas? Poderá uma marca ser uma coisa e as pessoas que a fazem, que a são, serem diferentes? Mesmo numa visão mais ousada: somos marca também. Seja como for, a "novidade", o desafio é deixar as marcas mais humanas, e daí vem uma lista de virtudes jamais pensada no modelo tradicional de fazer negócio. A novidade é essa: não há uma vida profissional, outra privada. É tudo uma coisa só. O que vc é como pessoa é como sua marca vai ser. O que vc faz pras pessoas, nas suas relações pessoais, é como vc vai fazer na profissão. Os muros caíram. E fica cada vez mais evidente quem é canastrão, ambíguo (?) ou tem um caráter questionável.

E, agora, olha essas ideias:

6. "O pensamento gerencial evoluiu de uma gestão de produtos, nos anos 50 e 60, para a de clientes, nos anos 70 e 80, depois para a de marcas, até 2000, e agora vivemos a gestão dos valores. Ou, numa outra forma de ver essa mudança de conduta, o seguinte raciocínio: evoluímos do foco mental (ideia de rentabilidade, de ser melhor) para o foco do coração (aspiracional) e, então, chegamos à postura focada no espiritual, que carrega uma ideia de compaixão, de fazer diferença quando beneficia o todo para sempre."
7. "As marcas têm de ser reconhecidas pelas coisas que fazem, e não pelo que dizem que fazem. A fórmula é essa: fazer > dizer, ou seja, fazer é mais importante do que dizer que faz." Como disse o Simon Sinek no vídeo que nós mostramos lá: "O objetivo não é fazer negócio com pessoas que tenham dinheiro para comprar o que você oferece, mas com as pessoas que acreditam no que você acredita". A lógica da comunicação contemporânea, e o que as redes sociais estão mostrando, é que existe uma dimensão espiritual...

Eu adorei tudo. Porque, para mim, um discurso algo "divino", "cristão" (no melhor e mais limpo sentido do que significou a energia de Jesus, de Buda, de Zaratustra ou outros, não importa, avatares de uma energia afim, do bem e poderosa) está tomando conta do mundo, vindo de várias direções, com diferentes "embalagens", mas essencialmente uníssono. Cinema (Avatar? Tropa de Elite? Chico Xavier?), arte, comunicação, política (Marina?), religião (mais liberdade) ou tudo isso resumido em uma palavra: autoconhecimento para evoluir... o recado está sendo dado. Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir? Quem se importa, se empolga, se emociona, se alista nesse exército? Como me disse o Fred Gelli, outro palestrantes da Semana ARP com ideias altamente sensíveis:
"Tem pessoas pensando essas coisas, outras meditando, outras conspirando, outras executando, enfim, sintonizados de alguma forma com esse novo olhar, essa nova atitude. De fato, é um outro modelo mental".


O canastrão, ou o lado negro das coisas, das virtudes, talvez não deixe de existir. Mas a ideia não é essa. A ideia é tudo vir à tona. Como sugerem os textos do Osho: qdo você acende a luz, a sujeira aparece. Não temos como acabar com a escuridão, mas podemos acender mais e mais luzes. De resto, a natureza se encarrega, como diria o Fred Gelli: mutações e a evolução natural.

Sei lá. Cada um com suas viagens. O tempo dirá.
Se não for nada disso, pelo menos me rendeu um texto. :) Tô feliz que ele nasceu. Fazia tempo que queria contar da Semana ARP aqui.

Em tempo: o tema global da Semana, este ano, ou seja, o guarda-chuva sob o qual tudo se abrigou foi "O novo Brasil". A ideia da dimensão espiritual favoreceria o país. Segundo alguns palestrantes, o país tem uma afinidade com essa nova mentalidade.
enfim... o Brasil é o país da hora. E não por acaso.
para ilustrar, um textinho q fala sobre a hora e a vez do Brasil (coincidentemente, de um publicitário): aqui.
Esse outro aqui também se alinha ao "novo Brasil".


*Então, para creditar tudo, aí vão os autores das frases/ideias:
1. Roberto DaMatta, antropólogo
2. Alessandra Lariu, diretora de criação digital da McCann Erickson NY (a ideia do "viver in beta" é muito Osho!)
3. Anselmo Ramos, VP de Criação da Ogilvy Brasil (falou de intuição também)
4. Arnaldo Jabor, comentarista político e cineasta
5. Paulo Lima, dono da Trip Editora
6. Philip Kotler, consultor de marketing (o papa do modelo tradicional americano falando de dimensão espiritual? Incrível...)
7. Perestroika (linkei eles aqui.)

E ainda faltou contar tanta coisa... aiai.

Abaixo, links afins com essa história toda:

http://www.videolog.tv/video.php?id=460283
http://www.abstratil.com.br/category/branding-3-0
http://criaglobal.com/how/
http://www.creativesocialblog.com/advertising/small-is-beautiful
http://www.blog.sambabusiness.com.br/samba/index.php/bem-vindo/60-livros/625-rework-de-jason-fried-e-david-hanson

10 janeiro 2011

Com fome, com sede, algo assim

De repente, eu notei que precisava daquilo. Por algum tempo, empurrar pro lado tudo o que ainda tinha de fazer - afinal, sempre vai ter algo pra fazer - e abastecer parte de mim que estava esvaziando, com fome, com sede, algo assim. Uma parte que não tem a ver com o meu corpo físico (e eu acho que nem com o mental...), mas que precisa de atenção e de atividades, que precisa ser alimentada tanto quanto ele.

Então, fui pro shopping! :D

Melhor dizendo, fui passear numa livraria. Folhear revistas, olhar os livros, tocá-los, caminhar entre as mesas e prateleiras, sem procurar nada específico, apenas permitindo que o olhar fosse ele mesmo, como um cachorro de rua, sem guia. Mas não cachorro de rua com olhar pidão. Cachorro de rua feliz, sabe? Aquele que atravessa a rua e cheira aqui e acolá como se soubesse exatamente de onde veio e pra onde vai. O dono do pedaço.

E as boas livrarias, hoje megalojas, têm espaço de café, e o cheirinho dele sendo feito na hora deixou tudo mais prazeroso. Quanto tempo eu fiquei ali? Meia hora? Quarenta minutos? Uma hora? E quanto tempo demorou para que uma certa sensação de impotência fosse percebida em mim? Um dó ao constatar o tanto que há para ver, ler, conhecer...

É muito grave a gente levar uma vida que quase não encontra tempo para isso? Não me refiro a ler. Tem gente que tem o hábito de ler todos os dias. É como almoçar e jantar. Mas eu me refiro a mais do que isso, a mais do que atitude mecânica, habitual. Eu me refiro a uma entrega. Se relacionar com os livros. Viajar na batatinha com cada um deles. Quem consegue, todos os dias, na mesma hora, como um relogiozinho, mente e alma limpas para entrar nessa? Já não se consegue direito nem com as pessoas com quem convivemos, imagina com objetos! (estranho pensar livros como objetos... não os sinto assim). Tudo tão superficial... E é superficial porque é difícil mesmo o contrário disso.
Então acontece de eu ver sobrar umas horas do meu dia para eu pegar o livro, mas pegar o livro e começar a ler é uma coisa; pegar o livro e me relacionar com ele intimamente é outra coisa. Precisa de energia. De um tipo de disposição e energia que são especiais, e não ordinárias.
E desse dó que eu tô falando: vai faltar tempo com essas condições ideais para ver tudo o que há para ver nesse mundo. Ai, que dorzinha que me dá. Fazer o q?

Pois nesse passeiozinho de minutos, eu me entregaria curiosa e por completo a pelo menos três livros: O Andar do Bêbado (Leonard Mlodinow), Solar (Ian McEwan) e História da Beleza (Humberto Eco).
Embora meio saturada de torturas mentais, acho que sucumbiria também à biografia de Clarice Lispector. Acho que ela é a deusa maior dos atormentados, com mentes e/ou corações que se debatem procurando o sentido das coisas - e isso é o que ela tem de melhor e de pior.

Levaria ainda algumas revistas de decoração, outras duas femininas e uma sobre bike.

Notei que muitos lançamentos, expostos nas primeiras gôndolas, têm seus títulos começando com "O Segredo de...", "Os segredos para...". Nossa, pensei, pelo jeito se acabaram os segredos do universo, tudo já foi revelado.

Vi que o Eduardo Bueno continua escrevendo sobre o Brasil... Lá se vão, pelo menos, 8 anos? 9? O que terá mudado desde o primeiro que resenhei ainda para ZH?

Vi que o Justin Bieber, o Fiuk e o José Alencar têm livros - biografia, diário e biografia, respectivamente. Vi também que educar cachorros parece ser uma grande necessidade: há uns 10 títulos diferentes sendo exibidos como novidade.

Vi que o espaço para títulos sobre espiritualismo está cada vez maior e não mais escondido lá no fundo.

Vi, especialmente, que os livros estão cada vez mais lindos. (*suspiro*). Ai que dó de não levá-los comigo. Já contei que eu tive um profe na Fabico que dizia que a gente nem precisava ler os livros, apenas tê-los por perto? Eu concordo. Não faz o menor sentido, mas eu concordo.

E, diante dessa beleza toda, lembrei da coluna do Sant'Ana de ontem, que li por acaso, diga-se de passagem. Ele falava sobre como existem jornalistas/escritores com espaços nobres por aí e que, no fundo, não dizem nada. Escrevem mas não arrebatam seus leitores.
Então, na livraria, fiquei imaginando quanto de ideias, raciocínios realmente interessantes poderia haver por trás de tanta beleza. E, já que o assunto é texto, quer ler um bom texto? Vai aqui, no blog do Tião, e lê o que tem data de hoje.

Da livraria, quase levei este e muito mais este. Mas não. Já tô com um outro, nessa mesma linha, para ler em casa. Então, com esforço, os devolvi à prateleira e pensei "fica pruma próxima", "a gente se ama, mas nossas agendas são incompatíveis no momento". :)

Para amenizar a minha dó, saí da livraria com uma revista Yoga Journal e o último do Roberto DaMatta (Fé em Deus e Pé na Tábua - Ou Como e Por que o Trânsito Enlouquece no Brasil) - este último mais por uma demanda de trabalho do que um desejo de fato. Mas sei que DaMatta é sempre DaMatta e um pouco do antropologia não faz mal a ninguém.

05 janeiro 2011

Deus é um designer fodaço

Um amigo designer me escreveu meio desolado... Ele fez um logo para um outro amigo meu, e o logo ficou bacana, eu achei. Havíamos comentado sobre a leveza e a fluidez do lettering, características que combinavam com aquilo para o que o logo estava sendo feito, enfim. Daí ele me conta que o outro meu amigo pediu umas alteraçõezinhas... tipo... "quem sabe usar a letra desse outro logo aqui?" (um logo bem ultrapassado, pra dizer o mínimo)... e... "esse I aqui, meio tortinho, não pode ficar reto?".

Acabou com o logo.

E não foi por mal. A falta de noção ao pedir "alteraçõezinhas" que destruíram o trabalho do meu amigo se dá por cegueira mesmo. Involuntária.

O design ensina a olhar. Educa o olhar. (no sentido de ampliar, iluminar) Mas a gente tem de estar disposto. Caso contrário, não aprende, não expande, não acende a luz.

Claro que um logo pode desagradar, mas antes a gente precisa pensar se olhou direito. De imediato, a gente só vê o que já conhece. Narciso acha feio o que não é espelho. Por isso a necessária disposição (e um certo tempo) para olhar o que nunca viu antes (mesmo que, à primeira vista, pareça que já viu). Sem essa disposição, não vai ver nada. Vai olhar sem ver. Ou vai ver só até onde seu banco pessoal de experiências alcança (emendando um "não gostei", na maioria das vezes).

De novo: claro que um logo pode desagradar, prometer a luz, a expansão e não cumprir. Mas isso não é problema de quem olha, é problema de quem fez o logo. Quem olha precisa ter certeza de que a disposição para ver estava ali, ou seja, ele procurou a luz, ficou na ponta dos pés para ver até onde o simbologia ía... se nada encontrou, a "culpa" pode não ser só dele. (chama o pajé!)

Um logo pode imprimir um estilo pra coisa que requeria o logo tão significativo e contundente que a coisa nem imaginou que poderia ter/ser.

Por coincidência (numa escala macro, é verdade), aconteceu algo parecido com a marca Rio2016. Tão logo foi conhecida, no Réveillon do Rio, surgiram suspeitas de plágio - numa rapidez que depõe contra quem estaria realmente disposto a olhar primeiro.
Pessoalmente, achei lindo o logo feito pelo pessoal da Tátil Design. Eu, meio anestesiada pelo belo, curiosa para olhar, à espera do convite para olhar, não dei muita atenção à bateção de panela que foram as declarações de plágio. Estava deixando pra ver isso depois... rsrsrs
Em seguida, veio a resposta dos autores. E, mais do que explicações, vieram as reações das pessoas, o primeiro contato com o logo-escultura, e ficou constrangedora de tão inadequada a acusação de suposta "cópia" da marca Telluride Foundation.
Ainda que os logos em questão se assemelhem, por contingências que eu nem saberia apontar aqui, o do Rio2016 é tão mais rico, se desdobra para tantas outras formas, tem tanto mais conteúdo e possibilidades, e principalmente isso é tão a própria razão de ser do logo (muito mais do que a forma da mancha que ele assume no papel) que, eu ousaria dizer, o fato de as pessoas estarem dando as mãos ou não ficou em segundo plano. Ainda que fosse uma cópia, uma inspiração (vamos imaginar/conjecturar*), a marca olímpica é um salto qualitativo sem comparação.

E essa coisa do 'aprender a olhar' me lembrou um trecho do filme Quem Somos Nós que considero muito significativo. Tah, ok, o filme é até meio tosco, cinematograficamente falando, mas seu conteúdo é um tanto intrigante. Pois nesse trecho do filme alguém conta que as caravelas vindas de Portgual e Espanha não foram notadas pelos índios que aqui viviam na América, mesmo quando já bem próximas da orla. Os índios percebiam que as águas do mar estavam agitadas de uma forma diferente e não entendiam por quê. Daí, no filme, isso se explica assim: os índios não podiam ver o que não conheciam.


Tah, não sei se isso dos índios é verdade. Mas a questão é a mensagem disso. Como uma parábola. Se a mensagem se acomoda no teu íntimo ( no coração? na alma?), é porque há uma verdade nela.

Os índios só passaram a ver as caravelas quando o pajé - o professor da época, dotado da confiança dos demais - analisa a questão e explica. Os índios procuraram alguém em quem confiavam e aprenderam a olhar.
(a gente se dispõe a olhar com mais facilidade quando confia)

Talvez esteja faltando confiança entre esses meus dois amigos. Talvez o primeiro tenha de explicar o seu logo, mostrar que está ali tudo o que o segundo amigo pediu. Se é que pediu. Se o segundo não sabe bem para que quer ter um logo, o buraco é mais embaixo.

Pra encerrar, outra coisa que lembrei nessa história toda. Uma frase que li na orelha de um livro do Eduardo Galeano. Acho que já falei dela aqui (nunca li o livro, mas a frase valeu muito). É assim: o menino enxerga uma paisagem embasbacante, no alto de uma colina, e, maravilhado, pede ao pai dele:
_ Pai, me ajuda a olhar.


Que "responsa" do pai, neh?
Pai, aqui, é pai mesmo ou pai, aqui, é Deus-Pai? (ou um designer fodão hahaha) Podia ser ambos, neh? Afinal, seguido eu peço para Ele lá em cima, diante de uma situação nova/complexa: "Pai, me ajuda a olhar!"
Deus é um designer fodaço.


Em tempo: esse meu amigo designer não gostou do logo do Rio2016. Não sei se ele teve tempo de olhar mesmo. Mas, se é seu trabalho/ofício, creio que não responderia qualquer resposta quando perguntei, neh? Mas, se ele não se dá tempo para olhar, talvez então esteja, através de meu outro amigo, provando de sua própria imprudência. Ou ele não gostou mesmo do Rio2016 e ponto.


*Se fosse verdade o plágio, isso seria muito louco e decepcionante... basta pesquisar um pouco sobre a Tátil... Esses tempos entrevistei o Fred Gelli, um dos donos desse escritório de design, e foi bastante inspirador. Até para os treinos! Em breve, vou tentar explicar isso num texto aqui, mas preciso de garantias de que ele não vai ficar piegas! ;)

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio