22 março 2011

Comer Rezar Amar

Amiga da criadora (foi a Rejane quem me selecionou no meu primeiro emprego... trabalhamos anos juntas... e, bem mais tarde, foi quem me deu trabalho qdo decidi sair desse emprego!), acompanho o Mesa de Cinema desde, bem dizer, seu nascimento. Uma ideia que agrada pela originalidade e pela overdose de prazeres: vê-se um (bom) filme, conversa-se sobre ele (ou seja, "pensa-se") e depois come-se tudo. Explico: fã de gastronomia e de cinema, a Rejane criou um evento que junta essas duas coisas. (teve gente que copiou por aí, mais uma prova de como a ideia é boa.) Um chef sempre é convidado para fazer um jantar inspirado no filme. Além disso, coquetel, apresentações e mesmo, digamos, a cenografia do lugar (das mesas à música) tb se inspiram no filme. Passam as horas e a gente nem percebe! Bom, o Mesa cresceu - como verá quem visitar seu site -, mas de tempos em tempos eu ajudo em alguma coisa, sempre quando a demanda é por texto. Então, fiquei feliz ao colaborar mais uma vez, em função do próximo, dia 25 agora, em Caxias do Sul, sobre o filme Comer, Rezar, Amar.
Parêntese: gostei bem gostado desse filme, o que ajudou muito na hora de ter ideias para compor a revista-cardápio que a gente fez. Tem uma cena desse filme, logo no início, que pra mim já valeu o ingresso quando fui assistir. E, foda-se: adoro a Julia Roberts. Fecha parêntese.
Então, a revista que a gente fez tá prontinha e vai circular no evento, entre os convidados. O que quero destacar aqui é o texto de três mulheres que colaboraram com a revista. Uma, que é "chef", escreveu sobre Comer. Outra, que é prof de yoga, escreveu sobre Rezar. E, por fim, uma psicóloga (que tem uma visão diferenciada da psicologia) escreveu sobre Amar.
Seguem os textos:

> A Roberta Horn Gomes, do Lorita Fusion Cuisine, escreveu sobre COMER:

Comer, Rezar, Amar em si é a busca da interiorização. Comer é preencher-se, dar-se, apreender. Voltar-se pra dentro exige tempo livre, "o tempo de fazer nada". É preciso tempo, dedicação. A comida: um elo com o mundo externo. Se a apreciamos, pelo menos parte de um mundo faz sentido... Comida saborosa: um passo a mais: me identifico com o mundo e quero estar nele! Comida saborosa não vem sem boa companhia. No filme, o alimento mesmo é a mesa farta de trocas, afetos, encontros.
O silêncio traz espaço para novas possibilidades, novos sabores. É preciso não copiar, é preciso se ouvir. O silenciar é o rezar no filme. Alguém que não silencia é cheio de ícones, vozes, uma comida excessivamente temperada e, por que não?, enjoativa. Por fim Amar, motivo grande. Por ele nos alimentamos, silenciamos e torcemos: que venha um prato bom! Um primo piato, um segundo, sempre bom, surpreendente.

> A Alexandra Furtado, da Casa do Yogin, escreveu sobre REZAR:

A Índia foi o segundo destino da viagem de Elizabeth Gilbert, onde por quatro meses ela se refugiou em um ashram (comunidade voltada à prática do yoga e à evolução espiritual).
A experiência de Liz foi encantadora, pois ela precisou se despir de muitos conceitos para conseguir vencer um de seus desafios: meditar. Meditar envolve prática, hora e lugar. Estes elementos ela já tinha, mas precisava remover da sua mente aquilo que mais a impedia no exercício da meditação: os pensamentos.
Normalmente não percebemos o quanto a nossa mente é turbulenta e barulhenta. Somente quando buscamos aquietar a mente é que conseguimos perceber toda a sua agitação. Gosto muito da metáfora da canoa. Imaginemos que estamos vendo uma canoa num rio, mudando de lugar a cada novo olhar, parecendo que é outra canoa que está ali. Mas a canoa é a mesma, o que faz achar que a canoa mudou de lugar é a perspectiva do meu olhar. Porém, quem está dentro da canoa percebe a mudança, experimenta o novo, ou seja, o movimento da canoa. É diferente o olhar de quem está dentro da canoa e o de quem está fora dela. Assim é a meditação. Desapegando-se dos próprios pensamentos, se obtém um estado mais refinado de consciência sobre si e sobre a realidade.
Segundo Swami Sivananda, "a mente é comparável a um jardim: assim como você pode cultivar boas flores e frutos num jardim, arando e adubando a terra, removendo as ervas daninhas e espinheiros e regando as árvores e as plantas, da mesma forma você pode cultivar a flor da devoção no jardim da sua mente, retirando as impurezas dela, a luxúria, o rancor, a cobiça, a ilusão, o orgulho etc, regando-as com pensamentos divinos”.


> E a Angelita Scardua, do angelitascardua.wordpress.com, escreveu sobre AMAR:

Para amar, precisamos dos mesmos recursos que usamos para comer: a vontade e algo/alguém que corresponda ao nosso desejo, pelo menos se quisermos fazê-lo com prazer. Não é possível comer com prazer algo cujo paladar não nos apetece. Assim também é com o amor, para amarmos com prazer precisamos encontrar alguém que queiramos desejar. Parece óbvio não? E é! Mas, se é tão claro, por que nos sentimos tantas vezes insatisfeitos com a comida e infelizes no amor? Porque nem sempre sabemos exatamente qual é a comida ou o amor que realmente desejamos. Para amar, é preciso descobrir-se!
Quem não se conhece não sabe identificar o próprio desejo, não sabe reconhecê-lo. Há quem acredite que o amor tem um cardápio, antecipado por flores e jantares românticos, e que, ao final, se degusta com meles e açúcares.
Quem pensa assim age como um cozinheiro que segue a receita famosa por acreditar que o segredo do bolo é a fórmula e não o coração. O bom cozinheiro, ao contrário, sabe que o ponto de cozimento da massa depende não apenas do forno, mas também do paladar de quem comerá. Com o amor, é similar. O enamorado que faz questão de pagar todas as contas talvez não seja interessante às expectativas de quem quer independência; o praticante do Kama Sutra pode parecer bizarro para quem só quer aconchego sob o edredom…
Para descobrir-se, é preciso amar! É a experiência que nos ensina quem somos. Numa refeição ou nos afetos, conhecemos novos gostos e desgostos, aprendemos como agradar aos sentidos. O bom amante, afinal, é como o bom comensal, ele conhece suas predileções, mas prova novos temperos se lhe parecerem adequados ao apetite. Que tipo de amor e de amante você quer? Se não souber a resposta, corre o risco de pedir o prato errado ou de se enfastiar dos sabores já vividos.

12 março 2011

Roubos (7)

Esse vídeo não é novo. Demorei a me dar conta de que era um Roubos! E um Roubos que, de certa forma, fala justamente sobre Roubos!

http://www.youtube.com/watch?v=g6tgH2dWx5c&feature=youtu.be&a


Por que roubar? Aqui.

02 março 2011

Roubos (6) - "especial"

Não fosse o criminoso atropelamento de ciclistas aqui em Porto Alegre talvez esse Roubos nem existisse. Esse Roubos veio do livro do antropólogo Roberto DaMatta, que li em função de um trabalho e agora parece ter mais relevância do que nunca.
Chama-se Fé em Deus e Pé na Tábua - Ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil (Editora Rocco). A expressão do título se refere ao fato de que vigoraria, no trânsito (ou no espaço externo a nossa casa), uma ideia de que é preciso uma certa proteção divina. Como as pessoas não confiam nas regras ou não confiam que as pessoas vão segui-las, o negócio é acelerar e seja o que deus quiser.
Na real, o DaMatta diz que o problema central é transferir para o outro a responsabilidade que é nossa... E q tb tem a ver com a ideia de que seguir as regras é coisa de babaca, bobo, pouco esperto. É evidente que, se todo mundo pensar que a regra não é para si e sim para o outro, nunca a regra vai funcionar. Então, lá embaixo, estão algumas das considerações do DaMatta sobre o jeitinho de pensar do brasileiro em geral.

***

Ontem, eu fui à manifestação de repúdio à violência explícita do caso do criminoso atropelamento dos ciclistas. Fui por várias razões, mas nenhuma tem a ver com senhor que causou o atropelamento. Não caminhei duas horas pelas ruas da Cidade Baixa e do Centro, até a prefeitura, contra alguém em especial. Mas a favor de uma ideia mais ampla. Não acredito numa cidade que só pensa em carros. Ponto. Mudar isso não é fácil, e a gente precisa começar de algum jeito. Talvez caminhando, como ontem, em meio a milhares, recebendo apoio de tantos outros que se limitaram a assistir (acenar, aplaudir...) das janelas dos apartamentos, das calçadas, do parapeito dos viadutos.

Talvez eu tenha ido porque li DaMatta, e entendi o quanto é urgente a gente se dar conta de que o brasileiro não é o outro. Sou eu tb. Como ele disse (não no livro, mas na palestra que assisti), vivemos um momento especial: a sociedade está descruzando os braços. Descolando a bunda da cadeira. Talvez sobrem mais gritos do que conquistas efetivas, mas ainda assim vale mais a pena do que não tentar. Tá ficando feio não tentar, entende? Bonito é tentar.

E ainda sobre o atropelamento... fiquei pensando no fato de que todo e qualquer ato social - do mais amoroso ao mais violento - representa a sociedade inteira. Uma coisa não existe se ela não está antes no imaginário coletivo. Tipo.. inconsciente coletivo, sabe? É como se cada um de nós carregasse um tantinho daquele estranho sr.atropelador. É duro pensar assim, mas é. Daí, eu espero que todas as boas energias da caminhada de ontem tenham de alguma forma anulado as más vibrações do atropelamento.
Tudo o que se desejou de bom ontem tb está em cada um de nós.
Zero a zero. Bola no centro. Vamu pro jogo de novo. A gente sempre pode recomeçar melhor do que antes.

***
Enfim, o Roubo da vez:
O QUE DIZ DAMATTA no livro Fé em Deus e Pé na Tábua - Ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil (Editora Rocco):

"Nossa principal contribuição é tentar democratizar a rua, fazendo com que ela, tanto quanto a casa, seja submetida a um código igualitário - ponto capital de toda sociedade republicana, liberal e democrática."

"Qualquer legislação está destinada ao fracasso caso a sociedade que a recebe dela necessite ou esteja preparada para suas inevitáveis implicações disciplinadoras."

"... pode-se sugerir que o tão propalado processo de modernização tem como centro um diálogo (áspero, violento, nervoso ou tranquilo) entre costumes ou padrões de conduta, como diziam meus professores de antropologia - regras inscritas no coração, como diziam Rousseau -, e leis escritas, ou seja, normas consciente e explicitamente feitas como remédio, receita ou resposta para certas situações e práticas sociais."

"... temos problemas com estilos nos quais os laços sociais (ou as situações) estejam fundados na horizontalidade, cuja expressão mais clara é a igualdade de todos perante uns aos outros ou a alguma coisa."

"A sociedade, com seus costumes, culpa - numa dialética autorreferenciada que previne a mudança - o Estado e o governo pelo que ela, obviamente, também não quer fazer."

"Mesmo com o fim da escravidão, persiste essa aguda consciência de lugar e de posicionamento social. Quem se pensa como sendo socialmente inferior sente-se, em certos lugares, como um transgressor. O terror de ouvir 'isso não é lugar para gente de sua laia, raça ou posição social!' corresponde à conjunção moderna de ter o direito de ir aonde quiser mas, não obstante, continuar preso a posições socialmente vistas como subordinadas."

"Na base dessas recorrentes expectativas de superioridade social que implicam um movimento irresistível de rebaixamento dos outros e que permanecem fiéis a uma imagem hierarquizada da sociedade, estão congelados séculos de desigualdade - não apenas como uma consequência (ou resultado) da exploração econômica e política planejada, mas, sobretudo, como um modo de ordenar o mundo que ainda não foi devidamente criticado ou até mesmo percebido em suas implicações sociopolíticas."


"Nossa tese é a de que é preciso ter em mente o encontro que a modernidade e a democracia promovem entre hierarquia e igualdade para se entender o estilo pelo qual nós, brasileiros, construímos nosso espaço público e nele trafegamos."

"Tudo se passa como se, no Brasil, não tivéssemos feito a necessária transição entre obedecer a pessoas e à lei, o que configura coisas muito diversas. "

"... quem está no topo ou no fundo não precisa seguir normas, como é típico de sociedades aristocráticas, onde canalhas, celebridades e nobres (que vivem desafiando o sistema e seguem - ou tentam seguir - regras próprias) têm algo em comum: o notável desdém pelo que só os inferiores ou subordinados devem obedecer."

"Tamanho, força, poder, preço, beleza, limpeza, conservação - tudo enfim que, no Brasil, se traduz como 'aparência' determina um istema no qual o condutor do veículo tem um lugar central no trânsito e o pedestre, um lugar secundário e inferior."

"O fato concreto é que o trânsito põe a nu nossas receitas herárquicas e sua inaplicabilidade no mundo moderno."

"Tal constatação nos leva a um reiterada e inevitável discussão daquilo que, para nós, é certamente a maior contradição da vida moderna brasileira. O encontro complicado, que já chamei de dilema, de espaço público construído como igualitário, mas sobre o qual condutores de veículos e pedestres atual com expectativas hierárquicas. Um palco desenhado para cidadãos que, entretanto, nele atuam como aristocratas."

"Observamos que o uso do verbo 'respeitar', aplicado a sinais, pessoas, pedestres e outros veículos no trânsito, revela o lado indeciso de uma sociedade que se recusa a encarar a igualdade como um princípio central da democracia e como o único valor capaz de ordenar certas situações da sociedade moderna."

"Entre a visão popular, segundo a qual obedecer é um sinal de inferioridade, e a visão aristocrática ou de elite, para quem o desobedecer é uma rotina que define os superiores e mandões, reside a indecisão e a impunidade como valores fundamentais do sistema."


Por que roubar? Explicação aqui.

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio