01 agosto 2008

Visão de raio-X

Uma vez, para uma matéria que eu estava fazendo, uma professora/pesquisadora me disse algo espetacular. Aquilo era espetacular para ela mas, ainda que para mim não fosse diretamente, eu era capaz de perceber a sacada.
E vc vai ser tb.

Me disse ela que o grande pulo do gato do uso da informática/internet (e suas possibilidades) em sala de aula era que o professor enfim conseguia VER o raciocínio do aluno.
Explico. Escola sempre foi aquilo de o professor falar, o aluno escutar, e um enorme abismo continuar entre eles. Porque nunca o professor poderia ter certeza do que a criaturinha absorveu e o que fez com aquilo que foi despejado sobre ela.
Quando a criança usa o computador, todos os caminhos que ela faz provocada pelo professor ou por algum exercício de aula ficam gravados no PC. Deixa rastro, e o professor pode, enfim, ver o caminho (torto? correto? errado? divertido? não raro surpreendente e rico) que a mente da criança fez para se virar com a questão.
A informática dá um mapa, uma fotografia do raciocínio.
A visão de raio-x.
Espetacular, eu não disse? Uma revolução.

Eu lembrei disso porque esse bLOg tem quase 150 textos - precisamente 147 com este que vc está lendo. E ainda assim muito não foi dito, nem nunca será. E mesmo nas coisas que foram contadas aqui, mesmo nelas há não-revelações. Algumas conscientes, a maioria não.
O que inconscientemente não foi dito ou mostrado é resultado de uma limitação inerente ao exercício da escrita. Nunca contamos tudo (nunca nos contam tudo). Porque quando tiramos da mente para pôr no papel ou apenas falar, algo se perde. Na escolha dessa palavra e não de outra, na escolha deste início e não de outro, se deixa para trás todas as outras incontáveis possibilidades que sua mente tem/mantém num bosque selvagem, virgem, inexplorado. Escrever é trazer para a civilização um jardim arrumadinho.

Por isso, escrever e falar (eu prefiro o primeiro hehehe) é uma atitude corajosa. Toda ação de escolha é corajosa. A coragem de escolher por aqui e não por ali, tendo de deixar para trás todo o resto de possibilidades (que às vezes nem sabemos quais são, só que existem, e daí a ansiedade da escolha). Escrever (falar, criar frases para sensações e pensamentos) é dizer adeus, se despedir do que podíamos ter sido, ops, dito, trazido à luz.
E o que valoriza essa escolha ainda mais? O desejo de nos fazer entender. E o jogo já começa em desvantagem, afinal, quem nos lê ou nos ouve não consegue ver nosso raciocínio. Não tem um software nem a visão de raio-x dos super-heróis. Pelo menos ainda não.
Daí que a interpretação é livre e sempre um risco. (viu? cuidado com a interpretação que vc está fazendo deste texto)

Por depender de escolha, o que contamos ou escrevemos são 'invenções' - ou no mínimo apenas parte da história. Numa proporção maior, é disso que falam os físicos quânticos. Entre as muitas possibilidades, nós criamos a realidade, a história que chamamos de nossa.
Bobagem? Viagem? Pode ser.

Lembrei da cena final do último Indiana Jones, em que a vilã quer porque quer conhecer "toda a verdade" - como se quisesse entrar naquele bosque ali, o virgem, inexplorado e selvagem, não o dela, mas o de toda a humanidade. Ela ganha esse poder, mas não resiste né... deve ser dura demais, essa verdade inteira - guardadas as devidas proporções, vai ver por isso q a gente não consegue mesmo, por mais que queira, contar tudo, né? Grandes poderes exigem grandes responsabilidades, nos ensina Peter Parker, o Homem Aranha.

Mas por outro lado essa incapacidade inata de captar o 'todo' revela o quanto somos frágeis e inaptos para julgar, tirar conclusões e tomar decisões. Mas elas são necessárias. Tanto são que julgamos e concluímos coisas a todo momento. O que fazer com a vontade de acertar então? Tem gente que fala em intuição. Outros apenas seguem um script, copiam o vizinho. E há os que dão de ombros e seguem o cômodo curso da correnteza - à espera do software ideal ou da visão de raio-x, sei lá.
O que tiver de ser será.

Eu ia dizer que a intuição pode (vir a) ser nossa visão de raio-x, mas aí... putz, esse texto tá doido demais. Isso que nem uso drogas, imagina...

Quando falei de bosque (até vou pôr uma fotinho ali), lembrei também do filme A Vila. Viu esse? Ninguém tinha coragem de 'atravessar o bosque'. Lembrei mas não desenvolvi, não revelei o raciocínio para vc... Então, foi o que eu disse: para escrever o que saiu aqui, deixei para trás outras possibilidades. Outras idéias que talvez nunca mais voltem ou textos que nunca venham a existir.

Maluco.
Maluca, eu.
E sem substâncias químicas!
uhu.

4 comentários:

Pretto disse...

Puxa, Lo, quando eu crescer eu quero escrever igual a você. Pq pensar estas coisas (e sem química) eu tb penso, o difícil é colocar assim no telão.
Bjão
Pretto
PS: fazia tempo que eu não lia um texto excelente assim, teu.

Ana Prade disse...

Hum:
Se o campo de visão do observador muda em relação ao do sujeito, o "tempo" do sujeito pode mudar comparativamente ao "tempo" do observador... (Espaço, Tempo e Além, Fred Alan Wolf).
É uma questão de posicionamento do observador e do sujeito (ou ouvinte, da história).Quem comanda qual realidade será a ordinária (ou seja, a real) só interessa ao próprio comandante da idéia, hehe. Não haveria muita graça se as histórias tivessem o mesmo ponto de vista... dariamos adeus às ilusões (mas será que é bom se iludir? às vezes é!rsrsrsrs)
Adorei o texto. Penso nestas coisas muitas vezes ao dia.
ana.
(doido ou não, este eu não apago, há!!)

André Cruz disse...

Lo..parabéns pelo material do MP encartado na ZH de hoje, ficou muito bom mesmo. Bjs e bons treinos

Luís Eduardo Amaral disse...

É um texto que estimula muitos pensamentos no leitor, e, dependendo do horário e lugar da leitura ou quantidade química consumida por este leitor, o pensamento pode variar bastante. Gostei, pena que acabei de ler às 16h30min de uma quinta, aqui no trabalho. Seria bem mais legal às 2h da manhã de uma sexta ou sábado...
Lo, sou teu leitor, espero que venha a ser minha leitora tbém. Quem sabe até veja nos teus favoritos um dia desses o meu blog. www.roendoasunhas.com.br
Valeu...
Bjos...
Duda Amaral - Livramento

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