03 setembro 2008

Zanzando

Não sei se ficam somente na Protásio Alves, de lá pra cá, de cá pra lá. Mas é sempre ali que os encontro, espalhados pelas paradas de ônibus. São crianças na beirada da adolescência, outros são grandinhos até. Há meninas e meninos. É a turma da bala de goma.
Pedem uma força pro motorista e entram. Ou largam a caixa de bala na mesinha do cobrador e a pegam de volta depois de passar por baixo da roleta ou esmagam as gomas no peito, esgueirando-se, limpando com as costas o chão do corredor. E aí começam a ladainha. O mesmo discurso, as mesmas balas. Todos eles. E todos eles dão uma entonação de rap pro anúncio. Tenta imaginar o som de rap no seguinte texto:
/boa noite/desculpa incomodar sua viagem/mas estou aqui/trabalhando/eu podia estar roubando/e não estou/podia estar pedindo/e não estou/então eu peço um minuto de sua atenção/
(aí, eles já vão pegando as balas de dentro da caixa pra mostrar, combinando texto e ação, como se fosse comissária de bordo dando aquelas informações de emergência em vôo)
/uma é cinquenta centavos/ três é um real
(aí eles vão de fileira em fileira: aceita? aceita? aceita? aceita? ou ... bala de goma? bala de goma? bala de goma?)
Se despedem com um discurso treinado também.
Perguntei pra um deles se havia alguém por trás dessa venda. O guri, um adolescente de boné, moletom surrado e bermuda, com correntes grossas de prata no pescoço, disse que não. Que eles compravam no atacado e vendiam. Quanto por dia, eu perguntei. Sete, oito caixas, ele disse. Quanto dá isso, devolvi. Ele: uns 70, 80 por dia (reais).
Mas é estranho... é sempre a mesma marca de bala, eles falam todos a mesma coisa, como que treinados, e parecem se conhecer. Não me convenci, mas o guri desceu em seguida, e minha entrevista acabou.
70 por dia x 5 dias são 350 por semana x 4 semanas = 1,4 mil por mês. Quanto é o salário mínimo? Será que o guri falou sério?



Não tem restaurante aberto às 17h para almoçar. Entro no supermercado, compro um pote de risoto e outro de brócolis cozido. Não dá tempo de ir pra casa. Tenho mais rua pela frente ainda. Sento no banco interno do súper e começo minha refeição. Comprei um pacote de colher de plástico pra ajudar. Uma só já bastava. As pessoas passam e me olham. Tá, é esquisito. Mas é esquisito o quê? Eu almoçar às 17h? Eu fazer isso no banco? Eu comer de colher? Ou eu estar com comida e não com um pacote de ruffles ou de bolachinha recheada?
Oi. Meus olhos diziam pra os que me miravam.


Os moradores de rua comem na rua, claro. Eles fazem tudo na rua. Morador de rua, eu acho, se apropria mais de sua cidade do que nós, moradores de casa. Eles deitam no gramado do parque, dormem no banco da praça, sacodem as pernas sentados no parapeito do viaduto da Ipiranga. Se apropriam. A cidade é deles, ainda que selvagemente. Não sei, mas os invejo. Tu consegue simplesmente sentar no cordão da calçada enquanto espera o ônibus? Por que q não? Bom, tem gente que não senta nem no chão de sua própria casa. Eu adoro o meu chão.


Os hidrantes deixam as calçadas charmosas. Vermelhos ou roseados. Algumas coisas são padrões curiosos. Que nem casinhas de fazer chave. Por que todas, eu disse TODAS, são azul e amarelo?


Trabalho, trabalho, trabalho na frente desse computador e de tempos em tempos dou um pulo ali no mundo - ou em uma das realidades dele. Acesso os portais de notícia e fico sabendo mais do mesmo de sempre. Grampos é o mais-do-mesmo da vez.
Será que a grampolândia chegou ao msn? Olha, deve ser questão de tempo.


Setembro não termina nunca e acabou de começar de novo. Venta ventania. Depois, em outubro, o roxo dos jacarandás da praça da alfândega pinta as calçadas de toda a cidade. Voa de lá, do Centro. Claro. Se anelassem o cabinho das flores como fazem com as patinhas de aves em extinção q estão sendo estudadas, você comprovaria.


Já escrevi sobre o roxo das calçadas em outubro láááá atrás neste bLOg. Também já escrevi um post chamado "Zanzando". Ando me repetindo. Chato. Dizem que, depois de um tempo, não aprendemos mais nada, nem fazemos novos amigos. Nos repetimos nisso também. Será? Ai, tomara que não. Aprender e pertencer me são os verbos/ações/condições mais valorosas (também já escrevi isso nesse blog). Aprendemos com amigos e pertencemos a eles. Ensinamos e somos pertences deles. Deusolivre a fonte secar.
Li esses dias a expressão 'alma coletiva de um povo', que seria formada pela mistura de raças - no caso, a brasileira é muito rica. Aí, pensei que nós, do ponto de vista solitário, uno, também podemos ter uma alma coletiva, formada pela influência de amigos, das pessoas que nos cercam continuamente. E, vice-versa, fazemos parte da alma dessas pessoas. Deve ser daí que tiraram aquela "Digas com quem andas que te direis..."


Minha bala de goma preferida é a roxa. Roxa como as florzinhas dos jacarandás.

Zanzei, zanzei, zanzei pela cidade.
Zanzei, zanzei, zanzei o pensamento.
Voando o pensamento. Deve ser o vento de setembro.

4 comentários:

Pretto disse...

Eu quero ler maaaaaais teus textos!Muito bom.
Beijos
Pretto

Srta. PENÉLOPE disse...

Mana!!!
Impossível vc ser repetitivas nos seus textos...vc escreve com ALMA!
Bjão

André Cruz disse...

Puxa vida...pena que a ZERO HORA "perdeu" uma grande jornalista..Bjs André

Fernanda Souza disse...

Como é mesmo que diz o Millôr?

Entendi
Libertação
Contestação
Sofisticação
É só sentar no chão!

Não sei se é essa a ordem e são essas mesmas as palavras, mas é essa a idéia. Em outros países é normal as pessoas almoçarem sentadas nos parques e escadarias de igrejas, né? Aqui se tu não tem medo de fazer isso, certamente será olhada estranhamente! E olha que tu estava no súper!

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio