29 dezembro 2005

Não é ficção (2)

Namorados há anos, daqueles cujas histórias de adolescência são contadas na primeira pessoa do plural, resolveram se casar escondidos. Uma fuga. Na verdade, quase um seqüestro, era surpresa pra própria noiva, nem ela sabia o destino nem o motivo, e já estavam de pé no saguão do aeroporto, prestes a embarcar. Uma aventura.
Com medo de avião, ele pede pra ela tirar o lenço do bolso do paletó, para secá-lo, molhado de nervoso. Ela atende. É folclórico o temor dele de voar. Ao mergulhar os dedos no tecido, ela encontra uma caixinha. São grossas alianças enfeitadas com pétalas de rosa. Ficam noivos, e ela começa a contar os choros – serão muitos até Cuba, onde ele planejou se casarem. O plano também era dela, só não sabia que seria naqueles dias, tinha ficado de fora da organização e da definição das datas (o que, convenhamos, torna tudo ainda mais lindo para a mocinha nessa história que parece mesmo filme). Tinham combinado: nunca se casariam de modo convencional, e seria ou em Fernando de Noronha ou em Cuba. Quando fizeram conexão no Panamá, bom, aí ela já estava entendendo tudo, por isso o choro continuava. Era um sonho.
Seriam alguns dias apenas, e a lua-de-mel veio primeiro. Numa praia, em cidade distante de Havana. Por isso, a catedral da capital cubana ficou para o penúltimo dia antes da volta. Fechada. Não havia padre. Só em ocasiões especiais e blábláblá. Portas fechadas! Sem padre! E agora? Tentariam no dia seguinte. E foram de novo: tudo igual. Desconsolados, dali duas horas teriam de estar de volta ao hotel para o traslado para o aeroporto, sentam-se num bar em frente à igreja. Ele percebe que vê dali a catedral sob o mesmo ângulo da catedral pintada no quadro comprado como lembrança no dia anterior. Acha que é um sinal. Ele pede que ela reze. Ao menos podiam abrir a igreja. Ao menos poderiam vê-la por dentro. De fato, um tempo depois as portas se abrem e sai de lá uma senhora. Animam-se. Na frente dele, cruza um homem, e todos podem ouvir quando a mulher sob o batente grita “padre!”.
“Pa-dre?!?!?!?”
Bom, já dá para ela começar a chorar de novo... Ele aborda o homem, explica que são brasileiros, vieram até ali para casar e queriam apenas uma bênção, já que o padre oficial não estava. O velhinho topa e some terreno da igreja adentro. Portas fechadas de novo. Tudo parece voltar à estaca zero. Será que o padre não entendeu? Será que...? Nada disso: a porta se abre, lá está o velhinho, vestido a caráter, era a preparação que havia tomado tanto tempo. E os noivos receberam uma missa inteira, não apenas a bênção. Igreja vazia, “sim, eu aceito”, “sim, eu aceito”, quase com ecos. E ela chorando desde o início, claro. E são três as únicas fotos do casamento: ela tira uma dele e do velhinho; ele tira outra dela com o velhinho; e o padre tira a dos noivos.
Meio-dia! Perderam o traslado pro aeroporto!!! Deixam a catedral casados. E quando chegam ao hotel lá está o motorista sentado no jardim, à espera deles. Deu tudo certo. Eles têm a certeza do “tudo certo”. Quantas vezes você teve essa certeza, a que se refere ao tudo e não exatamente ao certo?
Ah, ia esquecendo: o padre que se tomou de carinho a primeira vista pela noiva – portanto dono de uma bênção quase de avô, quase de pai – estava de passagem pela cidade, a serviço também na catedral. Ia embora no dia seguinte.

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