29 dezembro 2005

Não é ficção (2)

Namorados há anos, daqueles cujas histórias de adolescência são contadas na primeira pessoa do plural, resolveram se casar escondidos. Uma fuga. Na verdade, quase um seqüestro, era surpresa pra própria noiva, nem ela sabia o destino nem o motivo, e já estavam de pé no saguão do aeroporto, prestes a embarcar. Uma aventura.
Com medo de avião, ele pede pra ela tirar o lenço do bolso do paletó, para secá-lo, molhado de nervoso. Ela atende. É folclórico o temor dele de voar. Ao mergulhar os dedos no tecido, ela encontra uma caixinha. São grossas alianças enfeitadas com pétalas de rosa. Ficam noivos, e ela começa a contar os choros – serão muitos até Cuba, onde ele planejou se casarem. O plano também era dela, só não sabia que seria naqueles dias, tinha ficado de fora da organização e da definição das datas (o que, convenhamos, torna tudo ainda mais lindo para a mocinha nessa história que parece mesmo filme). Tinham combinado: nunca se casariam de modo convencional, e seria ou em Fernando de Noronha ou em Cuba. Quando fizeram conexão no Panamá, bom, aí ela já estava entendendo tudo, por isso o choro continuava. Era um sonho.
Seriam alguns dias apenas, e a lua-de-mel veio primeiro. Numa praia, em cidade distante de Havana. Por isso, a catedral da capital cubana ficou para o penúltimo dia antes da volta. Fechada. Não havia padre. Só em ocasiões especiais e blábláblá. Portas fechadas! Sem padre! E agora? Tentariam no dia seguinte. E foram de novo: tudo igual. Desconsolados, dali duas horas teriam de estar de volta ao hotel para o traslado para o aeroporto, sentam-se num bar em frente à igreja. Ele percebe que vê dali a catedral sob o mesmo ângulo da catedral pintada no quadro comprado como lembrança no dia anterior. Acha que é um sinal. Ele pede que ela reze. Ao menos podiam abrir a igreja. Ao menos poderiam vê-la por dentro. De fato, um tempo depois as portas se abrem e sai de lá uma senhora. Animam-se. Na frente dele, cruza um homem, e todos podem ouvir quando a mulher sob o batente grita “padre!”.
“Pa-dre?!?!?!?”
Bom, já dá para ela começar a chorar de novo... Ele aborda o homem, explica que são brasileiros, vieram até ali para casar e queriam apenas uma bênção, já que o padre oficial não estava. O velhinho topa e some terreno da igreja adentro. Portas fechadas de novo. Tudo parece voltar à estaca zero. Será que o padre não entendeu? Será que...? Nada disso: a porta se abre, lá está o velhinho, vestido a caráter, era a preparação que havia tomado tanto tempo. E os noivos receberam uma missa inteira, não apenas a bênção. Igreja vazia, “sim, eu aceito”, “sim, eu aceito”, quase com ecos. E ela chorando desde o início, claro. E são três as únicas fotos do casamento: ela tira uma dele e do velhinho; ele tira outra dela com o velhinho; e o padre tira a dos noivos.
Meio-dia! Perderam o traslado pro aeroporto!!! Deixam a catedral casados. E quando chegam ao hotel lá está o motorista sentado no jardim, à espera deles. Deu tudo certo. Eles têm a certeza do “tudo certo”. Quantas vezes você teve essa certeza, a que se refere ao tudo e não exatamente ao certo?
Ah, ia esquecendo: o padre que se tomou de carinho a primeira vista pela noiva – portanto dono de uma bênção quase de avô, quase de pai – estava de passagem pela cidade, a serviço também na catedral. Ia embora no dia seguinte.

Não é ficção (1)

Danga é uma vira-lata que sorri. Desde bem pequena, mostra os dentes enquanto torce as ancas e abana o rabo peludo querendo carinho de quem chega e fala miado com ela. O nome vem de como a sua dona, quando criança, chamava as mamadeiras. Danga é resultado de uma mistura esquisita de raças, tão improvável que ninguém lembra mais para explicar. Nunca foi bonita, mas sua simpatia não tem igual. Fora o sorriso. Mas no último Natal não sorriu para os convidados. Andava devagarzinho pelo pátio, cansada, tetas inchadas de leite.
Gravidez psicológica. E o filho é um tomate. Por deus.
Um grande tomate emborrachado que, quando apertado, solta um inhéon – para desespero da Danga, que, acreditamos(?), pensa (??) se tratar de um choro (???). Alguém aperta o tomate, inhéon!, e a Danga se lamenta, ain ain ain, pedindo o filho de volta. Então, já deitadinha no sofá, alinha com o focinho o tomate entre as perninhas, afastando uma delas para dar mais lugar junto ao ventre. Quer “dar de mamá”. E ai que a Keka – sua filha real, com pêlos e au-aus, nada de inhéon, já crescida e ela sim fruto de uma gravidez verdadeira – tentasse um gole do leite. Era pro tomate, só pra ele.

08 dezembro 2005

DNA

Sensibilidade é hereditário? A seguir, frase da filha de uma amiga muito especial: alguém que eu primeiro admirei como profissional, depois como pessoa e que agora integra um seleto grupo para o qual minha reverência não tem mais início ou fim. A menina não tem dois anos ainda:
- Mãe, o mar molha o horizonte?
Genial.

12 novembro 2005

O esmalte da mamãe

Da infância, tenho poucas imagens da mulher que era minha mãe. Ou da mulher vaidosa que ela deveria ser. Lembro dela colocando perfume antes de dormir. A interpretação de que ela estava indo se deitar como mulher é mais recente - meu pai já a esperava -, mas lembro que o som do spray me dizia alguma coisa. Não interessa o que aconteceria depois. Me intrigava essa preparação.
Outra era a cena com o esmalte. Com o vidrinho daquela tinta de cheiro forte. Minha mãe dona de casa terminava os afazeres domésticos e, no fim da tarde, cruzava a sala esfregando, girando o vidrinho entre as palmas das mãos. O vaivém fazia um barulhinho dse dois metais se tocando, num ritmo que ela controlava. Às vezes, era rápido, ela tinha pressa, e logo sentava-se à ponta da mesa da cozinha para pincelar a ponta dos dedos. Um agradinho quase diário à mulher vaidosa, convocando-a antes que meu pai chegasse.
E eu cresci achando que os vidrinhos de esmalte faziam barulho ao serem sacudidos. Eu desconfiava que não fazia sentido. Eles não tinham por que trazer no seu interior uma esfera metálica. E ainda que viessem com ela, a pastosidade do produto impediria que se chocasse com as paredes de vidro. Ainda assim, lembro da vez em que segurei um esmalte e imitei minha mãe, rolando-o por entre minhas palmas. Não houve o barulho. Só o roçar desajeitado de mãos ainda pequenas. E pensei: só minha mãe consegue, orgulhosa dela. Querendo um dia ser ela, capaz de tirar som de um esmalte.
Não sei exatamente quando me dei conta de que o barulho era provocado pelo roçar do vidrinho com a aliança de casamento que ela trazia no dedo. Não sei exatamente se queria essa explicação. Preferia pensar que era um poder exclusivo de minha mãe, da mulher que era a minha mãe.

9h30

Nove e trinta é um horário tão bonitinho para acordar, né?
- Que horas tu acordou?
- Nove e meia.
Que meigo.
Talvez porque não possamos sair da cama se lamentando: é um horário digno, tende a fechar um tempo suficiente de sono mesmo que se tenha aproveitado bem a noite/madrugada.
Seis, sete, até as oito é proletário demais, espartano. Sem poesia. Então, com poesia, às nove e meia deslizamos da cama. Não saltamos dela, esbaforidos. 9h30min deve ser o horário mundial da espreguiçada, do bocejo, do sorriso monalisa ainda de olhos fechados. É o horário do despertar retratado nas propagandas do leite molico, sabe? Clean. E o em torno de 9h é perfeito até fisiologicamente, já li sobre isso. Parece que depois disso, o corpo "entende" que pode enfiar o pé na jaca (ou a cabeça no travesseiro) e aciona mecanismos do tipo 'cara amassada' o dia inteiro, ainda que você se levante ao meio-dia (ou justamente por isso).
Nove e meia, então, é o limite. Não é 10h. A partir daí, levantamos com culpa. Se não, corremos o risco de alguém nos tocar ela.
- Que horas tu acordou?
- Dez e pouco.
- Puxa, quem dera! Essa hora eu já estava cansado de estar de pé - acusa o outro.

29 outubro 2005

Calçadas

A melhor propaganda da Feira do Livro de Porto Alegre não está nos outdoors ou nos anúncios de jornais. É o lilás das flores dos jacarandás espalhadas pelas calçadas de toda a cidade que tornam impossível não lembrar da praça da alfândega e suas barraquinhas. Tinha pensado nisso, sentido isso, juro, antes de me dar conta de que o logotipo do evento este ano é o desenho de uma árvore cuja copa são muitas letrinhas - na cor lilás. Está nos outdoors e nos anúncios.
Ainda calçadas: nesta época do ano, elas também começam a ser das pitangas e das amoras que caem dos pés crescidos em canteiros de ninguém.

27 outubro 2005

Strokes em POA

Chegada (1)
No meio do caminho, tem um valão parente do Dilúvio. Primo distante. O show lá, nós aqui e o valão no meio. O jeito é buscar o primeiro vão. Jogging por um matinho que se acha grama.

Chegada (2)
Modernos... Gurias de gravatas, guris escabelados e com paletós dois números menores e abotoados de maneira torta. Meninos que parecem meninas. Morte aos “mudernos”. Não agüento mais. Tinha esquecido que isso era inevitável num show dos Strokes.

Chegada (3)
Agora junta com os “mudernos”, churrasquinho de gato + cambistas + cachorro quente + batida de abacaxi com cachaça vendida aos chocoalhos no cordão da calçada (calçada?) + meninas de 11 anos.

Revista (1)
Não pode entrar com garrafa d’água. Eu sabia, tinha lido, mas achei que na área vip podia. Mais tarde, vou descobrir que não só não podia como não precisava: bebida não faltava ali naquele puxadinho perpendicular ao palco que eles chamam de área vip.

Revista (2)
Quero colaborar. Chego arreganhando fechos da bolsa para a tia com pinta de baiana-que-vende-acarajé. Não olhou para minha bolsa que dirá para minha cara. “Tem franguinho assado aí, querida?”, pergunta me passando como quem tira do caminho um galho de árvore desgarrado e já olhando para o que vinha atrás de mim. Claro que não tem, mas claro que no susto me vejo quase respondendo, ainda bem que falo baixo. “Entra, entra”, ela diz sem esperar que eu cerre os fechos da bolsa de novo.

Área vip (1)
10 passos e pelo menos três meninos não modernos, sarados e excessivamente simpáticos já tinham me oferecido champanha. Legal o jeito que eles seguram a garrafa. Mas eu queria cerveja. Achei. Em seguida, achei a minha amiga, a autora do convite que me levou até ali numa terça-feira à noite.

Área vip (2)
O chão é acarpetado de preto. Mal acarpetado. Isso significa que você não tem certeza do início e do fim dos degraus e que pode tropeçar ou em pontinhas do carpete descolado ou em bolsas e sapatos de quem, enfim, está curtinho o show. O vaivém de meninos simpáticos segurando charmosamente suas garrafas de champanha continua. E eu, na cerveja.

Área vip (3)
O banheiro é químico, claro. Mas a experiência é sensorial. Completo escuro. Você se fecha ali dentro, não tem a menor idéia do que se avoluma sob seus pés (serão “restos?”), nem onde começa o vaso e qual, digamos, seu diâmetro. Ainda bem que o papel higiênico é branco (bem, acho que era papel higiênico aquilo...) e que os celulares têm telas iluminadas. Na rua, na área formada pelas duas fileiras de cabines químicas colocadas em 90° uma em relação à outra, fica um cara borrifando bom ar. Um aerosol em cada mão, como um pistoleiro do fedor. Mais cerveja.

Área vip (4)
Alguém brinca perguntando das trufas. Cola. As trufas de chocolate aparecem mesmo. Duas me salvaram. É a hora da água sem gás.

O show? Ah, o show foi tribom. Last night (last nite?) mil vezes em relação a Is this it.
Quem é o cara que ficou com a guitarra? Quem?

26 outubro 2005

Frase de mãe

Do filme Casamento Grego. O pai da Tula descobre que ela está com um cara que não é grego e faz o maior drama pela casa. Na cozinha, ela justifica ao ouvir da mãe que terá de acabar o namoro:
- Mas eu o amo.
A mãe:
- Ora, Tula, coma alguma coisa.

Coincidência

Clima no ar. O cara dá a entender que está a fim durante boa parte da festa, mas tenta manter o clima, afinal, um passo a mais e serão necessárias definições, que podem não dar em nada, enfim, aquela coisa. Na carona de volta, vai te deixar em casa, todo o cuidado até então com o clima está ficando cada vez mais complicado de manter. A sutileza: saca um pacotinho de halls. Um para ele outro pra ti.

22 outubro 2005

Da série "Não estou nada bem" (2)

Seca na Amazônia, incêndios em Portugal, enchentes na Ásia, mais um furacão-tufão-ciclone na América Central. Talvez a maior parte das pessoas permaneça alheia a essas notícias, como se fossem muito distantes, porque de fato são mesmo distantes. Mas fiquei pensando no dia em que os efeitos-da-mão-do-homem-sobre-a-natureza chegarem bem perto, interferindo sem escalas na nossa vidinha de indiferenças.
E se a chuva mudar? Se, em vez de água, caírem pingos endurecidos, metalizados, tilintando no asfalto, como pregos, furando lonas, machucando folhas ou fazendo sangrar os ombros de sem-tetos ou o dorso de cachorros de rua? Que barulho infernal seria. Que tipo de guarda-chuva seria necessário? E se as tempestades não escurecerem mais o céu, mas o contrário: deixarem-no em permanente relâmpago, como uma explosão atômica? E se os raios não vierem mais de cima para baixo, mas de baixo para cima, obrigando as pessoas a andar com proteções pára-raios nos solados ou estudando o próximo passo como se estivessem em um campo minado? E se os ventos não dobrarem mais as esquinas, mas soprarem em nossas cabeças, abrindo carecas à força, como quando ficamos sob ventiladores de teto? E se a terra não der mais frutos e ficarmos dependentes de pílulas de laboratórios americanos? E se a noite durar meses nos obrigando a viver como ursos? E se também o dia durar meses nos impedindo de adormecer como Al Pacino em Insônia?
E se não houver tempo para arrependimentos, remorsos e o derradeiro pedido de desculpas?

Infância (3)

Sessão da tarde. Achar longo o fim de semana e que um ano é muito tempo. Dividir a vida em bimestres ou em marcos: “antes de” “depois de” datas como páscoa, dia da criança, natal e aniversário. Comer de colher. Chorar um dia inteiro pela morte de um cachorro. Nescau. Chambre e pantufa no inverno. Bota de plástico quando a chuva é apenas uma previsão. Sacolé no verão. Férias de três meses. Responder a chamadas na aula. Sentar à mesa “quebra-galho” em festas de família. Beijar o rosto barbudo dos tios. Ganhar a primeira bicicleta e pedalar na rua mas “só” até a esquina. Atacar alguém com um beliscão. Levar um beliscão. Se perder no corredor do Makro em dezembro. Sentar em colos. Ir até a venda. Dinheiro amassado na mão. Escrever a lápis. Implorar para que a mãe encha a piscina de plástico no primeiro dia de calor.

21 outubro 2005

Escolhas

Entra a instrutora no vestiário da academia com uma revista nas mãos. Toda feliz. Comenta com os alunos para os quais acaba de dar aula o tema de capa da revista de turismo: 80 ilhas paradisíacas. (Ou qualquer coisa assim, mas eram 80 ilhas, lembro bem). Dá a entender que procura um roteiro de viagem de férias.
Cá comigo: se há uma maneira de não decidir por roteiro nenhum é ler essa matéria. 80 ilhas! Se com 8 já não seria simples, imagina 10 x isso? E, se são paradisíacas, não devem oferecer muitos atrativos fora os paradisíacos, próprios da mãe natureza. Imagino ela em dúvida entre um pôr-do-sol vermelho-alaranjado e um outro laranja-avermelhado. Ou entre uma praia de mar azul piscina ou outra de águas verdes e calmas. Puxa, fiquei com uma pena dela...

Desinteligência

Sei que pago um preço por não ter canais fechados na TV de casa. Não tê-los e ainda mais por não desligar o aparelho depois que acaba o Jornal Nacional. É uma desinteligência – para usar uma palavra criada pelo personagem Gomes, da novela América. Acho incrível quando ouço alguém dizer “que palhaçada” tal novela, “que ridícula”. O que essa pessoa esperava do programa? Não sei por que brasileiro leva tudo na brincadeira, menos novela... Aí, quer levar a sério.
América tem algumas coisas que valem a pena – para rir, claro. Não, não valem nada, não mudam a sua vida, mas eu não tenho outro assunto por hora. Como acho engraçado, vou tentar fazer você rir também – nem que seja de mim.
Flagrantes divertidos
1) O personagem do Tiago Lacerda (Alex? Roberto?) está preso há semanas. Fica lá atrás das grades, mas detalhe: o cabelo continua com gel!!! A cela é comum, a prisão é comum, e o cara usa gel!!!
2) O sotaque caipira totalmente fake do Reginaldo Faria
3) Cena: aniversário da Florzinha, personagem da Bruna Marquezini. Batem na porta, alguém abre, e entra o Feitosa (Aílton Garsa) trazendo um baita de um urso à frente do corpo/do rosto, fazendo micagem, como que querendo se esconder, para passar a impressão de que o bicho de pelúcia tinha vida. Detalhe: a Florzinha é cega.
4) Falando em Feitosa, o tema do personagem é a canção Meu Ébano, da Alcione. Cuida alguns trechos da letra e tira tuas próprias conclusões.
“É, você é um negão de tirar o chapéu/Não posso dar mole senão você... créu/ Me ganha na manha e babau/ (...) Um príncipe negro, feito a pincel/ É só melanina cheirando a paixão (...) / Meu preto retinto, malandro distinto/ Será que é instinto /Mas quando te vejo enfeito meu beijo, retoco o batom/ A sensualidade da raça é um dom/ E você, meu ébano, é tudo de bom!!!

18 outubro 2005

Infância (2)

De pé na areia fofa, úmida e esponjosa, esperar quebrar a onda mais forte, aquela que dá a última cambalhota já na beira da praia, só para sair em disparada, correndo dela como se fosse alguma ameaça real.

KAda 1 KAda 1

Em dias de chuva ou em horários de pico. Ou em dias de chuva em qualquer horário. Ou ainda em horário de pico sob chuva, ao cruzar a pé a Protásio (e podia ser a Ipiranga, a Bento, a Perimetral), não consigo evitar a impressão de que ter um carro é estúpido.

16 outubro 2005

Cruzes

No post sobre 2005, faltou o principal! O começo do fim. Ou o fim do que parecia só o começo. Com pude esquecer? Bom, lá vai uma das maiores rasteiras do ano, senão de todos os tempos: o PT é igual aos outros! E porque sempre jurou não ser é ainda pior do que os outros. E porque sempre jurou não ser em meio a tantos que são e sempre foram, o fato de ser é também seu álibi, sua defesa, por mais confuso que isso possa parecer. Enfim, o PT não é o PT. Ele não existe como PT. Eu não disse que 2005 está sendo um ano estranho?

Mas q coisa...

Preocupado sempre com a dos outros, jornalista em geral não tem uma vida boa, saudável, embora pense que tem (saudável, nem cogita, nem quer, me refiro ao boa) – porque a pretensão é inerente a essa espécie. Nas redações, tem de ser imparcial, criativo, além de humanizar as pautas e mostrar todos os lados de um fato (ao menos pensar neles e encontrar um meio de fazer de conta que mostra). Deviam humanizar é as redações. Além do mais, eu queria ser era criativa na vida. Na minha vida. Eu preferia ser capaz de ver com lucidez todas as possibilidades da minha própria vida. Da minha. Da minha.

Boca-a-boca

Você nunca se sente santificada, pura, assexuada? Como se não precisasse de tudo aquilo? AQUILO. E eis que, em um dia assim, você abre a janela de sua casa, faltando só estar vestida de branco para completar a condição angelical, e vê um outdoor sobre gel lubrificante... Íntimo. De morango. DesnÉcessário, como diria o ministro Gil. Quem precisa de um anúncio em outdoor de lubrificante com cheiro e sabor? Desculpe o trocadilho, mas algumas propagandas deveriam ficariam restritas ao boca-a-boca.

Horário de verão

Acredito que temos direito à alguma forma de compensação. Desde a 0h de hoje, algum pagamento deveria estar em nossas contas. Por garantia. Todos aqueles que morrerem até a meia-noite de 19 de fevereiro terão sido roubados pelo horário de verão. Uma hora inteira da vida roubada. E uma hora é muita coisa. É tempo suficiente para que algo ocorra e nos dê a certeza de que a vida vale a pena.

10 outubro 2005

Puxadinho

Alguém querido tem uma idéia legal para depois do vôlei de sábado: que tal um churrasco? um galeto? Oba. Daí você tem que meio que "fazer sala" para uma guria com cara de enjoada boa parte da noite, quando queria, na verdade, sentar à outra mesa, mais interessante - ou com possibilidades mais interessantes. Frase mais simpática vinda da guria, sobre a garagem da casa do alguém querido que ofereceu a brincadeira:
- Legal esse puxadinho.
Justiça divina: no final da noite, a guria realmente fica enjoada. Deve ter sido o pão com alho.

07 outubro 2005

Da série "Não estou nada bem"

Eu queria jogar tênis só para usar aquelas roupas das meninas. Saiote. Tênis com meinha. Corpinho. Faixa no cabelo. Tudo branquinho. Mas hoje, que chove tanto, vi um motoqueiro com aquelas roupas inteiras, de borracha negra, como que saídas de um tanque de petróleo, vedadas dos pés à cabeça, e quis também usar aquilo. Me imaginei dentro daquilo, sob chuva, como um anfíbio do exército, pronto para qualquer terreno, e uma irresistível sensação de proteção me invadiu, tão tentadora como pernas femininas bem torneadas e inchadas pelo esforço físico podem ser sob um saiote branquinho.

01 outubro 2005

Miudezas (2)

O mais chato de varrer é juntar o cisco. Sempre surge mais um. Como uma matryoska (ou matrioska?), aquelas bonequinhas russas feitas de madeira, em que dentro de uma tem sempre outra e outra e outra e outra...

29 setembro 2005

Correção

No post "2005, o ano que...", escrevi que o filme sobre Zezé Di Camargo e Luciano vai concorrer ao Oscar. Não vai. Ainda não, ao menos. Ele foi escolhido para entrar na seleção que vai definir o filme que vai concorrer ao Oscar. A propósito: eu gostei do filme. Gostei mesmo.

Irmãs gêmeas

Ligo para minha irmã no meio do expediente, do meu e do dela. Quero saber como foi na prova da faculdade, mas é ela quem escolhe o assunto que dá início à conversa. Foi ao médico para investigar a possibilidade de fazer uma cirurgia que pode resolver uma questão que vem lhe incomodando há tempos – que tem se intensificado e que tem me preocupado muito. Está animada. Pergunto da prova, demora um pouco para responder, fico cismada, mas ela acha que foi bem. Desconversa.
- Pera aí – ela diz para mim. – Ah? – ouço ela dizer já parecendo afastar a boca do telefone. Fala com outra pessoa:
- Ah, tá. Faz um mamá para Samira que ela não comeu gelatina.
Volta-se para o telefone e para mim, como se eu não pudesse ter ouvido:
- A Samira não comeu gelatina. A Samira é uma das gêmeas. Samira e Brenda.
- Samira e Brenda – eu repito, sobre as pessoinhas, bebês, que estão sob o cuidado de minha irmã, que volta a falar de sua vida e suas coisas.
- Vai começar uma palestra aqui – eu digo.
- Ah, tá – ela diz, mas continua falando.
- Vai começar o negócio, não vou poder...
- Tá... Tu vai sábado jogar vôlei?
- Vou – eu digo.
- Então, sábado a gente conversa.
- Beijo.
- Beijo.

Minha irmã gêmea está terminando o curso de Nutrição. Coordena essa área numa escolinha infantil na Restinga Velha. Eu sou jornalista e trabalho numa redação.

28 setembro 2005

Lurdinhas

Eu não sou nada fã da Glória Perez. Novela já é um troço limitado por definição, da Glória, então! Seus personagens são tão caricatos, mas tão caricatos que acabam fazendo sucesso ao mesmo tempo em que são criticados. Como se, sob essa lente de aumento da autora, pudéssemos reconhecer nossos defeitos, deslizes, qualidades, acertos, fantasmas, enfim, que no dia-a-dia se mimetizam e vão sendo arrastados, disfarçados, sem uma solução ou uma razão. Tem algo de positivo nessas coisas que a autora inventa, ainda que ela as conte de forma tosca.
Um dos personagens abomináveis de tão grotescos é o da Cissa Guimarães, para mim péssima atriz e eterna apresentadora do Vídeo Show. Desde os primeiros capítulos, suas falas incluem sempre o Glauco (o tio Edson Celulari), suas participações só têm uma razão: o Glauco. É uma mulher bem-sucedida e tal, "bonita", mas que passa a vida em torno do cara. No momento, para fazer ciúme, anda com guris mais jovens, e aí brota da TV todo o não talento da Glória Perez, pondo frases péssimas na boca dos personagens como “Vô dá muito beijo na boca”. Mas é como se na ruindade dessa frase a autora acentuasse o ponto-chave: a personagem da Cissa é uma coitada, uma chata, e aí você, mulher, pensa: hmm, ainda bem que eu sou melhor autora que a Glória e consigo disfarçar a Nina (personagem da Cissa) que tenho dentro de mim. Porque na real é isso que acontece: os telespectadores se identificam com os personagens da Glória Perez, brabo é ouvi-los. A gente quer parecer um pouco melhor do que é. Afinal, fingir ser sensato e normal dá um trabalho! Aí, vem a Glória Perez e faz tudo de qualquer jeito?!?
Como contraponto da Nina, tem a Lurdinha, personagem da Cleo Pires, a filha da Glória (mais uma!) Pires e do Fabio Jr – e, dizem, do Coringa, por causa do sorriso da guria. Passou mais da metade da novela sem ser notada, era mais uma, e lá no fim da fila, do núcleo dos adolescentes da trama. Mas foi a Glória (agora a Perez) inventar uma polemicazinha e a guria pulou lá pra frente. Ao seduzir o tio Glauco, desbancou todas as outras histórias – de adolescentes e de adultos da novela.

Eu acho a guria bonita. Mas realmente ela parece o Coringa quando sorri, e ela sorri sempre. Então, fico me perguntando: por que acho ela bonita? Por que ela é mais convincente que a Cissa? Ela, como esta, também aponta para um personagem feminino que devo carregar comigo. A beleza da ninfeta-coringa é justamente o sorriso fácil. Ela tem consciência de sua felicidade e a expõe. Ela tem consciência do que quer e vai atrás. Eu não sei se a Glória Perez escreve lá: sorria agora, não sorria agora. Eu acho que não. Eu acho que é o jeito da atriz de fazer o negócio. É mais natural (legal, divertido) ser uma Lurdinha do que uma Nina. Aí mora a vantagem da primeira. Eu arrisco dizer que até a Cissa pareceria mais natural/aceitável na pele da personagem da Cleo do que na da Nina, chata/irritante/ridícula - isso se ela passasse como ninfeta, né, o que não é mais possível esteticamente. O que eu quero dizer é que a gente, mulher, se identifica com os personagens mulheres da Glória porque a gente é um pouco (?) cada um deles. Mas a gente acha ruim a novela porque a Glória exagera, estigmatiza. E aí a gente corre o risco de ver nossos fantasmas muito de perto, ridicularizados, vide a Nina da Cissa e seu mundinho pequeno. Mas também a gente tem a chance de ver a Lurdinha da Cleo (cujos exageros são se tornar segura e madura de um dia para o outro e fisgar um tio como o Edson Celulari, vamos combinar: onde tem, hein?): ela é nossa porção leve, nossa porção sorriso (por mais coringa que possa parecer), nosso brilho no olho, nossa vontade de brincar. Eu acho que as mulheres deviam acreditar nesse personagem. Não o da Cléo Pires. No seu próprio, que está guardadinho, lá no fundo, como que proibido. Deviam mesmo.

27 setembro 2005

2005, o ano que...

Impossível saber o que só o distanciamento histórico dirá de 2005, mas basta levantar a cabeça em busca de ar, como quando achamos a beira do buraco em que caímos no banho do mar, ou como quando na ponta dos pés procuramos algo ou alguém por sobre a multidão, para suspeitar que este ano é candidato a divisor de águas. Minha astróloga diz que a culpa é de Urano. Culpa? Ops, crédito, na verdade. Se não, o que dizer de um ano em que acontecem coisas que, na impossibilidade de se alterarem, já tinham virado piada, já tinham se incorporado ao imaginário popular como toleráveis, situações, enfim, cuja mudança parecia esbarrar na pergunta “para que virar tudo de cabeça para baixo?”. Mas parece que alguém (urano?) resolveu responder com outra pergunta, cheia de uma coragem ora infantil, ora demoníaca: “e por que não?”, porque coisas estranhas acontecem em 2005, a saber:
- Maluf, símbolo da impunidade nacional, o estereótipo do político de republiqueta, personagem de programa humorístico, foi preso.
- Deputados investigam deputados
- Deputados querem acabar com a corrupção no país
- Os juízes de futebol, como já anunciavam as torcidas, no seu coro sábio, agora se sabe, são filhos da p... ops, ladrões. E vão presos!
- Os publicitários confessam que mentem, vide Duda Mendonça
- Políticos trabalham em finais de semana. Menos ainda: os políticos trabalham. Ponto. Absortos em relatórios e relatórios de CPIs.
- Como mostraram o filmes de hollywood, a natureza pode não só ameaçar mas destruir os EUA
- O Inter é líder do Brasileirão e pode ser até campeão
- Um filme sobre Zezé Di Camargo e Luciano vai concorrer ao Oscar.
- O desfile da Semana Farroupilha virou carnaval
- O Rigotto é lançado como candidato do partido à Presidência
- O Schumacher não foi campeão de F-1

Daí eu fico pensando se, lá no início do ano, algum pai-de-santo-vidente-babalorixá tivesse citado alguma dessas coisas num Fantástico de domingo qualquer. Acho que a edição do programa não teria deixado passar, incrédula com tantos absurdos.

26 setembro 2005

Miudezas (1)

O mais legal em lavar e secar a louça é pendurar ao vento o guardanapo de pano na janela basculante da cozinha.

25 setembro 2005

Infância (1)

Comer pedrinhas de sal grosso enquanto seu pai faz o churrasco fingindo não ver.
***
Na praia, não ver a entrada do ano novo, anestesiada com as queimaduras de sol que parecem petrificar as costas lambuzadas de caladril.
***
Limpar a baba (com batom, às vezes) do beijo de uma tia. E ajeitar o cabelo depois do tapinha-esfrega-oi de um tio.

24 setembro 2005

Dona (?) de casa

Eu odeio limpar minha casa, embora reconheça que a sensação, depois de tudo limpo e organizado, é muito boa. Pena que não dura, afinal, ter uma casa é para viver nela – e isso inclui bagunçá-la saudavelmente – e não para expor em algum salão da Casa&Cor. O fato é que sempre tenho algo para fazer – que escolho fazer – antes de começar a limpeza. E começar é tudo de que se precisa na vida, às vezes. Depois, só vai. Mas o que eu queria dizer aqui é que sou um pouco desastrada como dona de casa. E que não me importo com o puxador da geladeira quebrado, nem com o vidro da janela da sala meio fosco de tão empoeirado. E tenho pendurado no “lustre-ventilador” um pedaço de penugem laranja daquelas que se enrolam no pescoço em festa de Carnaval. Acho que é a coisa mais estranha que tenho na minha casa depois de uma baratinha de plástico fosforescente sobre a TV e um porta-retrato horrendo com uma foto em que aparecem só as minhas pernas e pés – com meias – sobre o sofá (o nome desse quase ensaio é “preguiça”).
Preciso comprar um tapete, limpar o aquário, lembrar a previsão do tempo para decidir onde pendurar as roupas que lavei e não deixar o gás aberto. Ah, as miudezas da vida, hein?!!

Sentidos

O jornal em que trabalho mudou. Não conceitualmente, mas visualmente. Se bem que dizem que uma mudança visual também implica uma mudança conceitual, uma tentativa disso, ou uma conseqüência disso, sei lá. O fato é que o projeto gráfico agora inclui cor lavanda em todas as páginas e métrica para os textos. Lavanda e métrica? Cor que parece cheiro e desenho que parece música? Acho que deu a louca nos sentidos.
Há uma certa tendência de se fazer jornal para ser visto e não para ser lido - para espectadores e não para leitores, dizem os críticos de plantão. Até podem ter razão. Mas nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Beleza é fundamental, já dizia o poeta, temos de pensar nisso. Uma hora encontramos o meio termo – não instituído, por decreto, mas fruto do bom senso.

21 setembro 2005

Grandes sustos (descobertas) da vida

Um dia, inevitavelmente, você se dá conta de que...

Seu pai não é um herói.
Sua mãe não é o único modelo de mulher que existe no mundo.
Se você pudesse, talvez não escolheria sua família para ser, enfim, sua “Família”.
Fora aquelas de propaganda de margarina (ou, mais recentemente, de propagandas de minivan Scenic), nenhuma família é perfeita (e na imperfeição são todas iguais).
Ler não é uma escolha: depois da alfabetização, tudo para o que você olhar que tenha letras você vai ler, mesmo que não queira.
As pessoas não dizem toda a verdade.
Ao descobrir toda a verdade, você se dá conta/decide que também não vai dizê-la para ninguém.
Você não precisa fazer igual aos outros.
As grandes decisões de sua vida foram tomadas justo quando elas não pareciam ser grandes decisões. (p.q.p.!!)
O ser humano é instintivamente promíscuo: estranhos se “cuidam”, se olham, se desejam ao se cruzarem, numa calçada, por exemplo, ainda que isso não signifique coisa alguma.
Vendedoras de lojas mentem.
Tudo fica melhor depois que a gente come.
O futuro não existe, ou você não vai estar aqui para conhecê-lo (Lembra da última vez que você falou a palavra futuro? Você só fala a palavra futuro quando está na adolescência, quando lhe entrevistam no colégio ou comentam na festa de família o que você vai ser quando blábláblá).
Você muda de idéia, e o mundo não pára para lhe tirar satisfações. (Essa descoberta às vezes coincide com o dia em que você começa a se achar muito ridícula ao cobrar satisfações de alguém...)
Alguém pode gostar muito de você. (fala sério!!)
As recíprocas na maior parte das vezes não são verdadeiras, ou no mínimo não são proporcionais.
Levou todos esses sustos e gostou.

Tráfico de palavra

Meu irmão mais novo, embora pareça mais velho que o mais velho, pelo seu temperamento, mas isso é outra história, às vezes me chama de filha. Não é uma atitude consciente. E isso é o mais engraçado. O filha surge como um vocativo no final de frases que têm o caráter orientador, de conselho. O “filha” sai clandestino ali, como que automático, porque a cabeça dele identifica/qualifica a mensagem como um conselho e, em ele já sendo pai (minha sobrinha Laura tem quase 15 anos – esse quase ela vai adorar, como todos os adolescentes ela prefere dizer a idade que quase tem do que aquela que realmente tem), põe automaticamente o filha no final. Entende? Ele às vezes tenta corrigir, mas quase nunca dá tempo. Engole o “a”, tentando barrar o automatismo de seu cérebro – que não está errado ao relacionar conselhos com o vocativo “filha”, já que realmente existe uma – mas o “filh” sai limpo, principalmente o “fi”. E daí? E daí que eu esqueço o que ele tava dizendo e fico bebericando do som da palavra “filha”, ecoando na minha mente. Meu pai já morreu. É a minha única chance.

Simultâneos

O tempo anda maluco - essa a sua avó já dizia, né? Mas agora se documenta! Esses dias a ZH tinha na mesma edição, quase na mesma página, uma reportagem sobre o horário de verão e outra sobre ocorrência de neve no RS, a primeira do ano.

Aí, eu aproveito para pôr aqui um outro texto, feito há um ou dois meses, tb sobre coisas simultâneas que não têm nada a ver. Lá vai:

Não sei como escrever isso sem parecer muito idiota. Eu achei curiosa a coincidência. Neste final de semana, se alguém pudesse ver o planeta Terra de longe, mas com uma capacidade de visão tão micro como macroscópica, acompanharia a performance de um grupo de homens no espaço – nesse caso, lógico, em primeiro plano -, de um grupo de homens no fundo do mar e de um terceiro enterrado vivo. Me dei conta disso ao abrir um site de notícias na Internet. Os três fatos estavam lá. E ocorreram simultaneamente.
1) Com sete tripulantes, o ônibus espacial Discovery estava numa missão no... adivinha? Espaço. Tinha umas reformas que fazer e, como se imagina, não dá para sair da nave como se sai de dentro de uma casa para trocar a lâmpada da rua. Voltaram terça-feira e tudo correu bem: a nave não explodiu ao “colidir” com a atmosfera, por mais estranho que a possibilidade de isso acontecer possa aparecer ao leigos, acostumados a uma atmosfera que, enfim, não parece uma parede.
2) Também com sete tripulantes, no caso, marinheiros – e, acrescente-se, coitados -, um submarino russo estava... adivinha? Encalhado, preso em redes de pesca no fundo de uma baía de Kamchatka (? Extremo-oriente russo). Cara, o mundo dá voltas e voltas, e os russos continuam afundando ferro velho. O que essa caqueira fazia no fundo do mar? Ninguém disse. Os meninos tripulantes chegaram a escrever cartas de despedida para as famílias, porque eles tinham pouco oxigênio e tal. Sobreviveram. Foram salvos.
3) Enquanto isso, um grupo de brasileiros, no Ceará, ia e vinha por um túnel de 80 metros de extensão, a quatro metros abaixo da terra, ligando uma casa ao cofre do Banco Central de Fortaleza. Adivinha fazendo o quê? E eles se arrastaram o fim de semana inteiro, porque levaram R$ 150 milhões, o maior roubo (furto?) da história do país. Estão a salvo também.

E se alguém do grupo do espaço, alguém do grupo submergido e alguém do enterrado fossem parentes? E se as três cenas fizessem parte de um filme sobre as possibilidades humanas? Nada a ver, né? Eu disse que era idiota.

Anos 80

Um sábado desses, já noite, fiquei uns 40 minutos folheando livros numa livraria enquanto esperava por uma amiga. Deu para ler três infantis inteiros. Mas me vi sorrindo mesmo ao folhear aquele almanaque sobre os anos 80, um livrão grossão cujo nome não lembro ao certo mas deve ser 'almanaque anos 80', muito colorido como não poderia deixar de ser qualquer coisa a ver com a década em questão. Então me dei conta: quem foi adolescente naqueles anos não tinha mesmo como se tornar um adulto convincente.

os Domingos

Eu não consigo entender uma pessoa que conhece os dias da semana e escolhe Domingos como nome de seu filho. Eles, os Domingos-seres humanos, geralmente são carpinteiros, pedreiros, no máximo donos de mercadinhos. Ok, acho que fui um pouco (?) preconceituosa agora. Mas voltando à cabeça daquela mãe: como pode alguém que viveu todas as possibilidades de um sábado e a iminência de uma segunda-feira por anos na vida dar a luz a uma criança, olhar para a carinha do menino e tascar Do-min-gos? Ok, eu provavelmente estou sendo ignorante além de preconceituosa. Vai ver a palavra originariamente tem um significado, sei lá, bíblico, católico, e se aportuguezou (existe essa palavra? Alguém precisa aportuguesar ela – agora com S, pelo menos uma vez acertarei). Segunda-feira em espanhol, por exemplo, é Lunes, de Lua, a sentimental, introspectiva e, por isso, às vezes, dolorosa Lua. E vamos combinar que o dia de segunda-feira é mesmo tudo isso, ou você nunca desejou ficar em casa cavocando seus baús e recomeçar a vida só na terça?
Mas para mim os domingos são dias de extremos. Não me parece à toa que ele seja o fim e também o começo da semana, ficando a escolha a critério de cada um (ou do calendário mais próximo). Domingo é o dia em que a gente dorme demais, come demais, fala demais, ouve demais, acha que o sábado foi tudo de bom ou tudo de ruim.
O que são as manhãs de domingo? Ma-ra-vi-lho-sas. Se você abre a janela e o sol vai entrando, é possível acreditar que realmente tudo vai dar certo na vida. Revigorantes. Ninguém na rua, está todo mundo resgatando esperanças, cada um de sua janela. Os donos das calçadas são os cachorros (de rua), abanando seus rabos e se cheirando como num cumprimento, como se estivessem vindo de uma bela noitada pelo meio do asfalto, livres. Aí, você almoça, aquele almoço compriiiiiido, e a tarde quase se foi, mas ainda dá para pegar um cinema ou encontrar alguém querido que você não vê há algum tempo – e a expectativa disso já é suficiente. Breve, breve, tudo vai mudar. O que são as noites de domingo? Hor-ror absoluto. A lunática segunda-feira logo ali, o tudo por fazer na semana batendo na porta, o balanço – muitas vezes rigoroso demais, extremado – do que rendeu o fim de semana, o Faustão, a Glória Maria em mais uma viagem fantástica (como ela consegue?). Horror. Os domingos são dias de extremos, eu disse. Acho que as únicas pessoas que não sentem os domingos assim são as mães de Domingos. Acho que entendi o motivo da escolha do nome.

13 setembro 2005

Auto-estima

Provavelmente por ser um ponto a ser melhorado em mim, me chamam muito atenção as manifestações de auto-estima das pessoas. No caso daquelas que têm isso alto (agora com L). Jogador de futebol, por exemplo. O cara vai lá faz o gol, corre para a câmera (só isso já seria uma prova de exibição suficiente, considerando que muitos deles correm para a câmera desviando dos colegas) e levanta a camiseta do time. Embaixo, uma outra, branca, hering qualquer, com alguma frase. Eu fico impressionada. Imagino o cara no vestiário, se preparando para um jogo sem favoritos, e pondo essa camiseta debaixo. Mais: imagino o cara encomendando a tal camiseta, dias antes do jogo (ou será que já tem um estoque prévio?). Ele tem no mínimo alguma convicção de que vai fazer o gol. É um exibicionismo premeditado! Não é muita segurança? Não é muita auto-estima? Tudo bem que o último que eu vi fazer isso foi o Tevez, né... e o Tevez é argentino, logo, tudo se explica... Mas e os outros?
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Outra episódio de auto-estima aLta impressionante. Almoço freqüentemente num restaurante natureba, que abusa do minimalismo até, e eu gosto. Mas simplicidade não pode ser confundida com mau gosto. Nas paredes do lugar, há quadros horrendos. Nem de aula de educação artística na 4ª série sai coisa mais sem estilo, noção estética do que aquilo. Mas não são apenas decoração. A autora colocou à venda! Há meses! Olha, eu queria ter 1/4 de toda a auto-estima dessa "artista". E seria uma revolução na minha vida.

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio