12 setembro 2008

Pelo fim dos coletes

Tô fazendo um trabalho que me leva a entrevistar produtores de fumo. É pra Souza Cruz. Já fui a Rio Negro (PR) e a Paraíso do Sul, aqui, perto de Santa Maria. São pessoas simples, muito simples. É comovente. O mínimo conforto que hoje têm é fruto de anos de lida na lavoura, na lavoura de fumo.
Não gosto de cigarro. Acho burro fumar. Acho burro tanta grana girar em torno de algo que faz mal. Tudo bem que isso teve lá seu charme. Mas em pleno século 21? Não entendo um adolescente escolher o cigarro, por exemplo.
Mas quando encontrei essas famílias de produtores, não pude pensar só assim. Eles devem tudo a Souza Cruz. Tive vontade de dizer "sabia que o que vcs plantam matou meu pai?". Mas sei que não foi só isso que matou meu pai (quem ainda acha que doenças são meramente físicas?). E mais do que isso sei que não tinha o direito de questionar a oportunidade (talvez a única) de trabalho e sustento que tiveram. A vida não é lógica, Loraine.
Mas me incomoda muito a certeza de que, embora salve famílias, o dinheiro da Souza Cruz é para vender cigarro. Hoje, por exemplo, fiquei sabendo que um amigo talvez não viaje pra representar o RS e o BR no mundial de duathlon porque não há dinheiro. O Estado não tem pra dar, e nunca nenhum empresário se mexeu.
Entre ver alguém fumando e ver alguém correndo, se exercitando, naquelas roupas bacanas, óculos de sol colorido... qual das cenas é mais estimulante, inspiradora, admirável? Qual?

Dizem que não falo. É verdade. Mas falar o quê? Olha em volta, ouve. Sobre o que as pessoas falam? Rigorosamente, sobre o quê?

Dizem que sou calma. Não é verdade. Sou controlada. É diferente. E cansa pra caramba.
O que fazer quando a pessoa se aproxima e pede licença para sentar ao teu lado no banco do ônibus?
alternativa A: pergunta por que? (rsrsrs)
alternativa B: diz sim? (q meigo...)
alternativa C: diz não????!?!?! (hahaha)
alternativa D: bate? (ok, ok, ok menos, Loraine; mas as convenções vazias me irritam)
Tenho vontade de bater em guri que usa colete. Aqueles de lãzinha, sabe? Bater. Pelamordedeus.

É fácil ser honesto, responsável, sensato, ajuizado mantendo-se longe das situações que provocam o oposto disso tudo. Nunca provei drogas, por exemplo. Isso hoje pode ser uma convicção do tipo "tenho mais o que fazer". Mas e antes? Antes nunca encarei a oferta, nunca cheguei perto para realmente testar minhas convicções. Então, não vale dizer que fui uma adolescente responsável. Não vale.
Temos uma idéia das coisas. Quando distantes. E essa idéia tem muita chance de mudar quando nos aproximamos e vivemos essas coisas. Lição que aprendi duramente: não julgue. Não fale sobre o que só conhece de ouvir falar.

Criança ainda, incentivada por minha mãe que se sentava meia-bunda na beirada da minha cama, eu rezava. O credo, o pai-nosso, a ave-maria. A mais remota lembrança disso é minha mãe juntando com as suas as minhas palmas, me ensinando o gesto de prece. Ela falava uma frase, eu repetia. Que pena, na época não saquei a beleza de tudo isso. Nunca entendi uma só palavra do que era dito.
Faz tempo que desisti dos textos prontos. Eu rezo sim, mas é uma conversa. Um bate-papo íntimo. Sem emitir palavras, muitas vezes. O silêncio é uma prece. (Tem gente que vai achar que eu tô sempre em prece rsrsrsrs.)
Não tenho nada contra o texto das rezas. Sempre que os ouço na igreja ou numa palestra espírita, brinco mentalmente: as palavras vão sendo formadas na minha mente letra a letra, como que sendo datilografadas numa superfície. Só para passar o tempo.
Mas o que eu gosto mesmo é de não ouvir palavra alguma, me desatentar delas. E ficar só com o murmúrio. É isso. Muita gente rezando junto faz um murmúrio indecifrável no ambiente. Uma coisa assim:
mmmmmsrsrsszzzzcchhhhhhzzzzzzmmmmmmsssssschxxxxxcxhmmm
Esse som eu gosto. Ele quase se separa das palavras e vira a melodia delas. Se concentrar bem nele, é como o efeito dos mantras, será que não?
Mas o que eu ia dizer é que, depois de rezar, criança ainda, eu me sentia liberada para os pedidos, claro. Eu lembro de pedir muitas coisas. Não lembro de pedir "quero ser feliz". Depois, crescidinha, de novo desviei do "quero ser feliz" e, mais do que rezar e pedir, eu botei na cabeça o seguinte: quero ser uma velhinha com histórias para contar. Não posso, não quero, morro de pavor de chegar lá no fim, olhar pra trás e não ver nada.
Bom, eu já tenho histórias para contar, acho que vai dar certo.

Roubei do Carpinejar. O Fabrício. Isso: "O que adianta uma pele sem cicatrizes numa alma apavorada?"

Leram isso, meninos-de-colete?

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