18 novembro 2006

Perdendo a festa

Sabe aquela frase que diz mais ou menos isso: 'a vida é o que acontece enquanto a gente se ocupa fazendo planos para o futuro'?
E sabe aquela outra, que afirma que um filme, uma cena dele, uma sacada, uma mensagem pega cada espectador de forma diferente, porque toca em experiências particulares e tals?

Pois bem.

Esses dias vi o filme "O ano em que meus pais saíram de férias". O ano é 1970, os pais são da esquerda, as férias se tratam de um sumiço forçado deles, fugindo da repressão da ditadura, e o "meus" ali indicam o personagem principal: Mauro (Michel Joelsas), um garoto com lá seus nove anos apaixonado por futebol. Apaixonado pelos pais também, obviamente.
E é aqui que entra a primeira frase ali de cima: ocupadíssimo com, primeiro, a proximidade e, depois, os jogos da Copa do Mundo de 70, Mauro vai viver um dos momentos mais terríveis da vida dele e de quebra do Brasil. Vai vivê-lo como uma criança vive, sem saber detalhes, mas desconfiando da gravidade - como de resto, provavelmente, boa parte da população à época.
Os pais "saem de férias", e o guri segue a vida. Embora à espera do pais, ansioso, distrai-se com a iminência da Copa - quando crianças, como é bom contar a vida com antes e depois de certas datas, né?
Só que a promessa dos pais de estarem com ele na estréia do Brasil não se confirma. E no dia que Mauro acreditou ser o mais importante da sua vida - o Brasil na final -, reencontra a mãe, definhada por ter sido torturada. O pai morreu. E ele descobre tudo isso, longe da TV, sabe-se lá se conseguindo ou não perceber - talvez não - os fogos e os gritos de alegria das pessoas, comemorando o tricampeonato do Brasil no México.

Quando vi isso - a possibilidade de, em algum momento da nossa vida, sermos catapultados para uma realidade quase paralela, mas seguramente alheia ao dos outros -, me lembrei de mim mesmo no Réveillon de 1999 para 2000.
Era uma data meio mágica, completamente simbólica. A virada do século, ainda que a rigor matematicamente não fosse. Quem nunca pensou: hm, como estarei na virada do século?
Eu pensava, claro.
Pois nessa noite eu estava em um quarto de hospital, com minha mãe, irmãos e cunhadas. Nem o silêncio do ambiente permitiu ouvir os fogos estourarem nos céus de Porto Alegre. O clima era pesado demais, duro, como uma nota grave de piano. Eu via as luzes pela janela, e pensava nas outras pessoas. Do nosso lado, meio inconsciente, meio lá meio cá, estava meu pai. Nessa virada de ano tão mágica, 2000!, foi difícil pensar em esperança. Meu pai morreria sete dias depois.
(Aqui, se explica a lembrança da segunda frase no início do texto.)
Quando vi o Mauro perder a comemoração da Copa de 70, sobrepujado, atropelado pelos acontecimentos da sua vida (e, no caso do filme, do Brasil), eu lembrei desse dia. O filme me colocou naquele quarto de hospital outra vez, e eu vi de novo a lágrima escorrer do canto do olho do meu pai quando eu me estiquei cama adentro para lhe dar um beijo e, putz, desejar-lhe um feliz ano novo.

Às vezes, a festa simplesmente não é para a gente.

***
O filme
Bom, meigo. Mas apesar de todo o talento do menino que faz o Mauro, o meu personagem preferido é a Hanna (Daniela Piepszyk).

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