05 junho 2008

Bom Senso - há vagas

Terça-feira, dia de ingresso promocional num shopping de Porto Alegre. Uma zona, zorra. Fila pra ingresso, fila pra pipoca, fila pro banheiro. Na minha frente, uma mulher e três crianças. O pai chega depois, ficou procurando vaga no estacionamento enquanto o resto da família se adiantava na fila, atrasados que todos já estavam para a sessão das sete. Faltavam cinco minutos. Faltavam umas 20 pessoas na frente, e o casal torcendo secretamente para que ainda tivesse ingresso.
Marido e mulher falavam sobre trivialidades, e as crianças dispersas, avoadas, conversando entre si sem se cobrarem respostas. A mulher não resiste e começa a série de avisos que se repete até a beira do balcão da bilheteria: “talvez não tenha mais ingresso, ok!?”. Não sei se era uma confirmação para o ok ou apenas distração, mas as crianças nem fizeram perguntas. A mulher avisa de novo. E de novo. Chega a vez deles.
“Ingressos para Crônicas de Nárnia, ainda tem?”, pergunta o homem. Sim, diz a atendente. O casal está de costas, mas posso imaginar o semblante de realização, alívio e ai-q-sortudos-q-somos. A alegria dura segundos.
“Quatro”, diz a atendente. Eles estão em cinco. O homem sugere que a família assista enquanto ele dá uma volta. “Nem pensar”, diz a mulher. (pausa) “Um pode ficar no meu colo”, diz ela dirigindo-se a ele, como se a decisão dependesse só deles. O homem repete a idéia em direção à atendente, que nega. O casal descreve a situação para si próprio, como que buscando, implorando veladamente a intervenção espontânea da atendente, no sentido de apontar uma solução – afinal, 3 crianças voltariam para casa decepcionadas... (ou seriam dois adultos?). A atendente fria. Finge (bem) que não está entendendo e que não tem de se envolver emocionalmente com a questão. “Esse cinema é uma bosta mesmo”, diz o homem. “Não dá mesmo?”, insiste a mulher para a atendente, que nega e ouve (e ignora) um outro “bosta de cinema”. A família se vai...

Acho que esse era um trabalho para o Bom Senso.
Custava deixar a criança assistir ao filme no colo da mãe? Custava.
Mas o Bom Senso, esse velhinho sábio e bondoso, cheio de netos, consentiria.
O problema é que o Bom Senso acaba demitido de todos os locais que atingem um status tal de evolução que precisam de regras/normas rígidas para funcionar. E regras, bem, são regras. Não têm coração. Nada de depende. Não tem “se”. A regra é clara, como diria o Arnaldo César Coelho. Tem de ser, afinal, não há Bom Sensos empregados por aí. Aí, as regras têm de existir e funcionar independentemente de pessoas. Não ligam para elas, as pessoas, e deixam tudo com cara de linha de produção...

O Bom Senso está acima das regras. É sábio. Dá razão ao coração. Não negligencia o que importa, as pessoas. Diferente das regras, ele é dinâmico. É o cara. Tem apoio e admiração na lábia.
Mas ele não tem vez. Foi demitido desses lugares faz tempo. É muito complicado e desgastante manter o Bom Senso empregado. É difícil antecipar e garantir sua decisão. Porque quer detalhes, ouvir todos os lados da questão, quer refletir, analisar o contexto...
E é desgastante principalmente porque Bom Senso só conversa e acerta ponteiros com um igual, ou seja, com o potencial Bom Senso que cada um de nós carrega.
O Bom Senso em potencial que a atendente do cinema carrega lhe cutucou por debaixo do balcão: “deixa a família entrar”.
Mas e se alguém ali atrás na fila, sem ingresso (e sem bom senso), combinasse com um estranho (com ingresso), que assistiria ao filme no colo dele? E o estranho com ingresso e sem bom senso topasse?
Por isso, a atendente segue a regra. A regra é clara, né, Arnaldo? É rasteira. "Vibrante" como uma salada de chuchu sem sal. Sem choro.
Por isso, o Bom Senso, esse senhor uma vez respeitado e outrora carregado por aí para todos os lugares, é hoje um desempregado. Nunca se sabe se ele vai encontrar interlocutores por aí para poder exercer sua função.

Obs. 1: Espero q o Bom Senso em potencial que o pai de família carrega tenha lhe puxado as orelhas depois: “bosta de cinema é meio demais, mané”.

Obs. 2: talvez eu tenha exagerado... a família podia ter chegado mais cedo e tals... se programado... mas, ai, quem faz tudo certinho aí? Ah, você faz? Então, serve de testemunha: tudo certinho não tem a menor graça e, cheio de regra assim, você nunca vai saber usar o Bom Senso quando precisar de um.

***
Mas o que eu queria mesmo era falar do Ironman Brasil que assisti em Floripa há duas semanas... O texto ainda não veio... Já posso antecipar que não é um trabalho para o Bom Senso, isso, de participar de um Iron... :D
(nada de bom senso, e é melhor esquecer as regras também...)

Um comentário:

Lo disse...

ei, Bom Senso, tenho vaga pra você, aqui, em mim, por que não aparece?

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio