03 dezembro 2009

Entre a palavra e o coração

Tem acontecido uma coisa estranha comigo na hora de escrever com caneta. UMA coisa não. TUDO é estranho: o modo como pego a caneta, a mão encostada no papel, a dificuldade da caligrafia e, fundamentalmente, a lentidão dos dedos, do gesto.
Tudo culpa do computador, do teclado. Escrever com a mão virou uma ação desconfortável, que exige empenho para um resultado minimamente legível. Mas o que incomoda mesmo é a lentidão. De tal forma que erro as palavras. Como minha mente está agora adaptada à rapidez da digitação do teclado, acontece de eu pular sílabas. Enquanto o indicador e o polegar desenham o "sí" no papel, minha mente já está no "bas", então, quando eles acabam o sí, recebem logo o "bas", porque o "la" já foi não sei pra onde. Então, por exemplo, sílabas vira síbas.
Teríamos todos de evoluir nossa motricidade fina a fim de voltar a escrever no papel em ritmo ajustado ao da mente? Ou tentar o papel é segurar a velocidade da mente e retroceder nossa evolução? Não sei. O fato é que acho meus dedos lentos com a caneta e o papel. E tenho certeza de que não é só eu.
Lembro da primeira vez que segurei um mouse e da dificuldade que tive para ajustar meus movimentos ao nível de sensibilidade desse instrumentinho. Acertar o cursor no ponto exato do que eu queria na tela não foi uma coisa fácil, natural. Foi uma coisa aprendida. Que gozado, neh? Agora, nem mouse uso.
Similar a essa estranha sensação de que escrever à mão virou algo superado, é a impressão de que também não lemos mais do mesmo jeito. Outra vez culpa do computador. Das múltiplas janelas, do hipertexto, do alt+tab. Experimenta: teu olho mudou. Está livre. Abre uma revista, um jornal... Abriu? Testa.
Teu olho salta daqui pra lá, de lá pra cá. Tu lê o último parágrafo do texto, vai pro primeiro, volta pro do meio e... (surpresa!).. entendeu o texto! Não lemos, ou não precisamos mais ler, nem na ordem, nem da esquerda para a direita. Aliás, se tentarmos isso, se instala uma curiosa sensação de aprisionamento, de que estamos "perdendo" algo naquela página mesmo.
Isso vem mudando a diagramação/layout de publicações há algum tempo. Mas está fazendo mais. Está promovendo uma pequena revolução no modo de escrever, na estrutura do texto ou daquilo que queremos comunicar - que deverá ter alguma lógica dentro ou próxima do seguinte: a parte deve conter o todo. Qualquer parte é início, meio e fim de uma mensagem.
Leituras altamente dinâmicas. Consumo de informação de uma forma absurdamente rápida, mas - olha que gozado - com mais economia. Estamos econômicos na absorção das coisas. Qualquer semelhança com o twitter e seu estrondoso sucesso talvez não seja mera coincidência.
Que gozado. Impressões minhas, neh... a ver, a ver...
Para onde vamos?

... e aí que na Rolling Stone de novembro, lá na última frase de uma materinha pequena, o Marcelo Camelo falou o seguinte sobre a Mallu Magalhães (em relação ao impacto que ela teve sobre a carreira dele):
"Foi a naturalidade dela. Nem todo mundo acha o caminho entre a palavra e o coração".
Bonito, neh? Valeu a compra da revista.
Se eu quero ser Mallu? Ser capaz de achar o tal caminho? Ah, quero sim. É um desafio que me interessa, a despeito da sozinhez ou da solidão dessa aventura. Mas, pensando bem, acho que quero ser Marcelo. Pelo grau de percepcão. Ter olhos, ouvidos e pele pra perceber isso. E confiar no que sacou.

Sabe a diferença entre a sozinhez e a solidão?
Winnicott que fala sobre isso, me disseram. Mas acho que todo mundo sabe isso, não precisa de uma fonte oficial e respeitada como o sr Winnicott. É orgânico. Tudo que é orgânico é uma verdade que reconhecemos, e não é "descoberta", como que de surpresa.
A verdade que vc vai reconhecer como tal é a seguinte:
Solidão é quando estamos nos sentindo irremediavelmente sós mesmo quando acompanhados. E a sozinhez é quando nos sentimos confortavelmente acompanhados mesmo quando estamos sós. Quando estamos a sós conosco e nós somos a nossa companhia e podemos ser uma boa companhia, isso é sozinhez. É o lado bom de estar sozinho, ao passo que a solidão é o lado ruim, mas que pode ser experimentada mesmo quando se está acompanhado de outras pessoas.

Daqui a pouco vem um texto inteiro, com mais sentido. Eu acho. Puxei a cordinha e desci do trem de novo. Pra organizar a mochila. Esticar as pernas. Pegar um sol.
Em seguida, te ligo e vou pular o "alô, tudo bem?". Vou direto no: "para onde vamos?". Tah?

Falando em Mallu, Shine Yellow é bonitinha. Ouvi por acaso aqui, ó.

Um comentário:

εϊз - flor disse...

pois é.. o computador tem substituido cada vez mais os métodos "tradicinais".. já não compro mais jornais, revistas.. o velho diário virou blog, os livros viraram pdf, nem na faculdade escrevemos mais, afinal temos os slides..
heheh

acho q vou comprar um caderno de caligrafia =P

http://www.nemseiumaurl.blogspot.com/

Bem juntinhas

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eu e a Búio