05 janeiro 2011

Deus é um designer fodaço

Um amigo designer me escreveu meio desolado... Ele fez um logo para um outro amigo meu, e o logo ficou bacana, eu achei. Havíamos comentado sobre a leveza e a fluidez do lettering, características que combinavam com aquilo para o que o logo estava sendo feito, enfim. Daí ele me conta que o outro meu amigo pediu umas alteraçõezinhas... tipo... "quem sabe usar a letra desse outro logo aqui?" (um logo bem ultrapassado, pra dizer o mínimo)... e... "esse I aqui, meio tortinho, não pode ficar reto?".

Acabou com o logo.

E não foi por mal. A falta de noção ao pedir "alteraçõezinhas" que destruíram o trabalho do meu amigo se dá por cegueira mesmo. Involuntária.

O design ensina a olhar. Educa o olhar. (no sentido de ampliar, iluminar) Mas a gente tem de estar disposto. Caso contrário, não aprende, não expande, não acende a luz.

Claro que um logo pode desagradar, mas antes a gente precisa pensar se olhou direito. De imediato, a gente só vê o que já conhece. Narciso acha feio o que não é espelho. Por isso a necessária disposição (e um certo tempo) para olhar o que nunca viu antes (mesmo que, à primeira vista, pareça que já viu). Sem essa disposição, não vai ver nada. Vai olhar sem ver. Ou vai ver só até onde seu banco pessoal de experiências alcança (emendando um "não gostei", na maioria das vezes).

De novo: claro que um logo pode desagradar, prometer a luz, a expansão e não cumprir. Mas isso não é problema de quem olha, é problema de quem fez o logo. Quem olha precisa ter certeza de que a disposição para ver estava ali, ou seja, ele procurou a luz, ficou na ponta dos pés para ver até onde o simbologia ía... se nada encontrou, a "culpa" pode não ser só dele. (chama o pajé!)

Um logo pode imprimir um estilo pra coisa que requeria o logo tão significativo e contundente que a coisa nem imaginou que poderia ter/ser.

Por coincidência (numa escala macro, é verdade), aconteceu algo parecido com a marca Rio2016. Tão logo foi conhecida, no Réveillon do Rio, surgiram suspeitas de plágio - numa rapidez que depõe contra quem estaria realmente disposto a olhar primeiro.
Pessoalmente, achei lindo o logo feito pelo pessoal da Tátil Design. Eu, meio anestesiada pelo belo, curiosa para olhar, à espera do convite para olhar, não dei muita atenção à bateção de panela que foram as declarações de plágio. Estava deixando pra ver isso depois... rsrsrs
Em seguida, veio a resposta dos autores. E, mais do que explicações, vieram as reações das pessoas, o primeiro contato com o logo-escultura, e ficou constrangedora de tão inadequada a acusação de suposta "cópia" da marca Telluride Foundation.
Ainda que os logos em questão se assemelhem, por contingências que eu nem saberia apontar aqui, o do Rio2016 é tão mais rico, se desdobra para tantas outras formas, tem tanto mais conteúdo e possibilidades, e principalmente isso é tão a própria razão de ser do logo (muito mais do que a forma da mancha que ele assume no papel) que, eu ousaria dizer, o fato de as pessoas estarem dando as mãos ou não ficou em segundo plano. Ainda que fosse uma cópia, uma inspiração (vamos imaginar/conjecturar*), a marca olímpica é um salto qualitativo sem comparação.

E essa coisa do 'aprender a olhar' me lembrou um trecho do filme Quem Somos Nós que considero muito significativo. Tah, ok, o filme é até meio tosco, cinematograficamente falando, mas seu conteúdo é um tanto intrigante. Pois nesse trecho do filme alguém conta que as caravelas vindas de Portgual e Espanha não foram notadas pelos índios que aqui viviam na América, mesmo quando já bem próximas da orla. Os índios percebiam que as águas do mar estavam agitadas de uma forma diferente e não entendiam por quê. Daí, no filme, isso se explica assim: os índios não podiam ver o que não conheciam.


Tah, não sei se isso dos índios é verdade. Mas a questão é a mensagem disso. Como uma parábola. Se a mensagem se acomoda no teu íntimo ( no coração? na alma?), é porque há uma verdade nela.

Os índios só passaram a ver as caravelas quando o pajé - o professor da época, dotado da confiança dos demais - analisa a questão e explica. Os índios procuraram alguém em quem confiavam e aprenderam a olhar.
(a gente se dispõe a olhar com mais facilidade quando confia)

Talvez esteja faltando confiança entre esses meus dois amigos. Talvez o primeiro tenha de explicar o seu logo, mostrar que está ali tudo o que o segundo amigo pediu. Se é que pediu. Se o segundo não sabe bem para que quer ter um logo, o buraco é mais embaixo.

Pra encerrar, outra coisa que lembrei nessa história toda. Uma frase que li na orelha de um livro do Eduardo Galeano. Acho que já falei dela aqui (nunca li o livro, mas a frase valeu muito). É assim: o menino enxerga uma paisagem embasbacante, no alto de uma colina, e, maravilhado, pede ao pai dele:
_ Pai, me ajuda a olhar.


Que "responsa" do pai, neh?
Pai, aqui, é pai mesmo ou pai, aqui, é Deus-Pai? (ou um designer fodão hahaha) Podia ser ambos, neh? Afinal, seguido eu peço para Ele lá em cima, diante de uma situação nova/complexa: "Pai, me ajuda a olhar!"
Deus é um designer fodaço.


Em tempo: esse meu amigo designer não gostou do logo do Rio2016. Não sei se ele teve tempo de olhar mesmo. Mas, se é seu trabalho/ofício, creio que não responderia qualquer resposta quando perguntei, neh? Mas, se ele não se dá tempo para olhar, talvez então esteja, através de meu outro amigo, provando de sua própria imprudência. Ou ele não gostou mesmo do Rio2016 e ponto.


*Se fosse verdade o plágio, isso seria muito louco e decepcionante... basta pesquisar um pouco sobre a Tátil... Esses tempos entrevistei o Fred Gelli, um dos donos desse escritório de design, e foi bastante inspirador. Até para os treinos! Em breve, vou tentar explicar isso num texto aqui, mas preciso de garantias de que ele não vai ficar piegas! ;)

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