23 março 2009

Arrependimento (1)

Uma vez eu voltava sozinha de Dom Pedrito no meu superKa. Saí muito cedo da cidade, era noite ainda, e fazia um frio do cacete. O casaco que eu usava me cansava os ombros. Era eu, o casaco, o carro e a estrada. 
Na verdade, no início, apenas um feixe de estrada, um vão que os faróis iluminavam. O resto era escuridão. Uma estrada reta sem fim e sem sinalização, principalmente até Bagé, com uma paisagem lateral sem fim também. 
Daqui a pouco apareceu um caminhão, que claramente "me acompanhou" durante um bom tempo, até o dia começar a clarear. Nos tornamos parceiros daquela estrada vazia. Até que ele fez sinal de luz, buzinou e entrou numa estrada lateral. Parceirão. 
O dia estava clareando, e tinha orvalho congelado nos campos. Muito bacana. Senti uma sensação muito grande de liberdade. Melhor estilo road movie, sabe? Ai, tah...: era um Ka sim, era vindo de Dom Pedrito e a estrada não era o bicho, mas cada um com seu road movie, ok?
O cenário foi mudando e comecei a passar por encostas que se erguiam mais próximas da estrada. Tipo morros, sabe?, mas baixos, que formavam um pequeno corredor. Eles estavam brancos de tão frio que fazia. Não posso dizer que era neve, mas eles estavam brancos. E com os primeiros raios de sol, a própria superfície do carro "suava". Então, quando eu mergulhava nesses corredores brancos, onde ainda fazia sombra, os retrovisores externos congelavam. Ficavam inteiramente branquinhos. Aí, eu saía do corredor e derretia. Outro corredor, retrovisores branquinhos de novo.
Tive vontade de parar o carro no meio daquilo e descer. E encarar o silêncio que imperava ali. Encarar o friozão. Ir o mais próximo possível dos morrinhos congelados e tocar naquilo. E ficar parada ali: eu, o Ka, a estrada, o casaco, os morrinhos e nada mais. NADA. Por quanto tempo eu poderia ficar ali sem que nada, rigorosamente NADA, acontecesse?
Não sei.
Eu não parei o carro. Eu não desci. E neste instante tive certeza de que me arrependeria pro resto da vida.

Se bem que, me esforçando um pouquinho, posso sentir minha mão congelada tocando naquele tapete branco. Sim, posso. Posso ouvir o silêncio. Posso sentir o prazer de ter descido. Posso sentir o pavor/prazer da solidão ali. O pavor/prazer de ser um pontinho naquela imensidão congelada. Posso lembrar da estrada vazia até onde o olhar alcançava, seja pra lá, seja pra cá. Posso recordar a confusão de sensações: não ver ninguém mas imaginar que tinha alguém me vendo, escondido em algum lugar.
Será que não desci mesmo?
Ser esquizofrênica tem lá suas vantagens.

***

Tenho de cuidar o que escrevo aqui. Não sei se todo mundo entende quando brinco e quando falo sério.
Você não acha que sou esquizofrênica, acha?
Eu acho que você devia gastar seu tempo pensando no que você é. Parece mais útil.

3 comentários:

Lo disse...

ih, me arrependi.

Srta. PENÉLOPE disse...

Lindo texto...como vc mesma me diz: Cada um q olhe por um prisma, lendo este texto...

vc?PARE DE SE JULGAR,POIS GRANDES ESCRITORES NÃO ESTÃO NEM AÍ COM O Q OS OUTROS PENSAM...APENAS FAZEM SUA ARTE PARA PESSOAS MAIS EVOLUIDAS PERCEBEREM AS SUTILEZAS, OK?!

bjinhos...saudades.

Laurinha disse...

oi!!!
só passei pra dizer q mudei meu blog, agora é:http://www.laurinhagfpa.blogspot.com/

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio