09 agosto 2008

O maior sorriso

Hoje é dia dos pais.
Claro que é uma data comercial... patati...patatá. Mas não dá para esquecer que faz oito anos que não abraço o meu nesse dia. E o meu pai era a pessoa que eu mais abraçava na minha família. Sempre foi. Virava-e-mexia, eu estava pendurada nele. Aquelas coisas de ter mais afinidade com umas pessoas do que outras, mesmo (ou principalmente) nas famílias.
Mas este não será um texto triste, eu prometo.

O pai, em geral, é o primeiro homem que amamos na vida. E não raro o primeiro a nos decepcionar, porque haverá um dia em que vamos descobrir que ele não é um super herói...patati patatá.
(Provavelmente, este será um texto mais pro super herói, mas estamos combinados que eu sei que ele não foi, ok?)

Teve uma época que eu sabia "muito" de futebol. Ia para o estádio do Grêmio com ele. Falávamos sobre muitas coisas, até de futebol. E depois de um tempo percebi que o mais legal de tudo eram justamente as conversas enquanto esperávamos o jogo começar.
Eu conversava muito com meu pai. Eu era faladeira com ele, juro! :)
Acho que tem a ver com confiança. Que não se compra, não se pede, não se encomenda. Apenas existe. Eu confiava nele. E meu pai ouvia até o meu silêncio. Às vezes, na viagem de carro, ele retrucava: "a loraine veio, hein?" (eu sentada logo atrás dele).

Meu pai me ajudou a estudar às pressas para a primeira prova de colégio da qual me lembro. O teste era à tarde, e eu passei a manhã dispersiva, como uma típica pisciana, sempre pronta a trocar a realidade pelo devaneio. Eu não lembro se fui bem na prova, acho até que colei da minha irmã (te confessei isso alguma vez, mana?). Mas daquele dia em diante foi diferente. Anos depois, vi meu pai várias vezes junto à porta do meu quarto, final de ano, um calorão, eu adolescente, estudando para as provas finais: "O que tu tá estudando se tu já tá passada, guria?"

Meu pai me ensinou a jogar sinuca. E teve uma época que joguei muito bem. Ganhava dos guris. Teve uma época que eu "tomava" cachaça com ele enquanto a mãe esquentava o jantar. E teve uma vez que meu pai, acreditem, me disse que eu ia ficar bem com um cigarro. Que combinava comigo. Nada politicamente correto, né? Pois é. O tipo de coisa arriscada que se diz quando se confia na pessoa. Meu pai confiava em mim. Eu vim a saber disso muito tempo depois, e levei um susto.

Meu pai achava que eu podia ser médica, porque ia muito bem no colégio e tinha jeito de médica (?!!). Eu queria fazer educação física, que nem ele. Mas uma vez, quando leu um cartão de dia dos pais que fiz, um cartão caprichado!, ele me olhou, segurou meu queixo com a ponta dos dedos e disse: "tu vai ser escritora, filha?"
Eu fiz jornalismo. E lembro do dia que ele procurou no supermercado o jornal em que saiu a primeira notinha que redigi como "jornalista". Apontou no papel, dizendo pra vendedora: foi minha filha que fez.
E tempos depois eu cursei educação física. :) Mas não consegui contar a ele. Eu me inscrevi no vestibular pela manhã e ao meio-dia ele morreu. O primeiro dia de aula na faculdade depois disso foi bem emocionante pra mim. Não terminei educação física, é verdade (foi preciso escolher entre continuar a pagar a faculdade ou tentar financiamento do apê pra sair de casa...) mas... a vida deu voltas e hoje tenho muitos amigos na área. Me sinto "pertencente" a esse mundo, ainda que sem diploma.

Meu pai foi pra cima e pra baixo comigo quando tive anorexia. Numa época em que a doença mal era conhecida, ele teve muita dificuldade para compreendê-la. Muita gente tem até hoje, imagina naquela época então... E ele brigou comigo por causa disso como ninguém. Foi uma época bem difícil, mas também de muita dedicação da parte dele. Quando ele morreu, eu pensei: "puxa, Loraine, ele te salvou e você não o salvou". Tolice a minha... quanta arrogância, Loraine...

O último livro que ele leu, já no hospital, foi eu que dei. Ele adorou. Era uma história com muitas descrições do pampa, das estradas por aí afora. Meu pai era caçador. Dizia que o Rio Grande do Sul era grande demais. Vinha o inverno, aqueles dias frios com chuva miúda tocada a vento, ele dizia "ahhh, tempinho bom para caçar". Meu pai gostava da função, da aventura. Nós tínhamos dificuldade para entender qual era o prazer de levantar às 4h da manhã, caminhar no campo, com água pela cintura às vezes, carregando um monte de tralha e esperando um bicho que nem sempre vinha. Guardadas as devidas proporções, quando saio pra correr, quando topo uma competição, com chuva, e fica tudo difícil, sei lá, vale até a friaca do jipe à noite, eu lembro dele. E então acho que entendo o prazer que ele sentia na adversidade voluntária.

Uma vez fui caçar com ele. Até então nunca o tinha visto tão realizado. Sempre que quero lembrar dele muito feliz, penso em sua imagem, encostado numa ribanceira, à beira de um banhado. Era final da tarde, eu estava ao lado dele. Falávamos sobre qualquer coisa, acho que ele contava de alguma caçada... Daquele vazio imenso de campo afora vinham muitos barulhos... (a natureza faz muitos sons no amanhecer e no entardecer, vc já notou?). Ele abriu um sorriso do nada. Um sorriso de felicidade tão grande que eu mal soube o que fazer com ele.
Agora, eu sei.
É para, por exemplo, lembrar num dia como hoje.

obs.: a foto ali é do fim de semana da tal caçada. Meu pai à esquerda e um dos meus irmãos à direita. Foi uma saída só para reconhecimento do local.

8 comentários:

André Cruz disse...

LO..lindo o texto sobre " o dias dos pais", te confesso que eu também abracei muito o meu pai, hoje não faço isso tanto, pois estou fora de casa a oito anos..mas mesmo assim eu deveira abraçar mais ele...enfim...bjs e bons treinos

OBS: teu pai era o único cara que conseguia te fazer falar..hahah

fe disse...

linda a tua admiraçao por teu pai, ou melhor vc fez ele parecer um paizao super heroi.tambem tenho um pai assim como é bom relembrar.e ter esse sentimento guardado no peito né.
boa semana.
ha acho q educacao fisica combina muito com vc.deixa jornalismo de lado e corre p/ educaçao fisica tá esprando o q menina....hehehe

Srta. PENÉLOPE disse...

PUTA Q PARIU!!!!Pq heim vc escreve tão bem e SEMPRE me faz chorar ( de rir, ou de saudades, ou de tristeza)?!Poderia as vezes FALAR um pouco, vc não acha?

....Mana, vc falou TUDO sobre o nosso PAI-HERÒI(MELHOR AMIGO NOSSO)...sei q não saberia descrevê-lo tão bem como vc (mas falar dele tão bem...eu saberia,rsrsr).
....o q mais me comove realmente é o q esse homem plantou em cada um de nós.Ficou impressionada cada vez + (ainda + agora com a terapia),sei q a "LUZ" q as pessoas dizem ver em mim, não é minha, e sim desse cara chamado: ARTHUR FERNANDO. O pai-mãe q nós duas tivemos ( sempre com uma sensibilidade única)....lembrar desse cara é muito FORTE TODO DIA...ACHO Q NÓS DUAS SÓ SOMOS DIFERENTES REALMENTE DE NOSSOS IRMÃOS PORQUE FELIZMENTE ESSE CARA TEVE MUITO MAIS TEMPO DE PLANTAR MUITAS SEMENTES EM NÓS E PODER CULTIVÁ-LAS JUNTOS ( não estou desmerecendo os manos, tá?Mas nós curtimos muito mais ele...)...só quem o conheceu pra enteder o q estamos dizendo...Poderia ficar hs aqui dizendo 'n' coisas q ele fez comigo q muito pai nunca fez com suas filhas ( por ex: comprar meu anticoncepcional;mostrar pra mim que não era diferente de ninguém mesmo tendo algumas dificuldades ortopédicas;acreditar nas minhas convicções (mesmo brigando muuito comigo),mostrar q dignidade não se compra,q o conhecimento é a única coisa q ninguém tira de vc...Mas tenho certeza mana q esse nosso véio onde está agora continua nos cuidando, dando força, nos protegendo e principalmente nos ouvindo ( ele ERA O ÚNICO Q SABIA LER PENSAMENTOS de nós duas...como sinto falta disso...(já tô chorando, q meleca!):)

ps:MAS ESSA DE VC COLAR DE MIM,HEIM?!Me caíram os butiás dos bolsos!!!!!!hahahahahahah

TE AMO MINHA OUTRA METADE!!!!!DÚ, vc colou de mim mesmo?????hahahahahah

sebastiao disse...

eu gosto do teu pai. juro. porque ele é gremista. e porque te fez. e te cuidou. e tu virou uma moça bem bacana, até. até.

fe disse...

+

Fernanda Souza disse...

Admiro esse companheirismo teu e do teu pai... o meu não me entende muito, sei lá, ou eu não entendo ele.

Guarde sempre esse sorriso contigo :)

Lúcia Brito disse...

Muito lindo.
Você vê a felicidade em tudo isso?
:)

Lo disse...

Vejo, Lucia. Vejo, sim
:)

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio