31 janeiro 2006

Brincadeirinha sacana

Desde pequena, essa coisa de pensar me fazia pensar. Lembro que seguido me metia – por prazer – em um raciocínio tortuoso e sem fim, estúpido até, e certamente inútil. Eu voltava a ele, antes de dormir, por exemplo, como se fosse um passatempo, um jogo, um brinquedinho guardado no meu armarinho imaginário de criança quieta. Era assim, eu começava mentalmente:
- Estou pensando que estou pensando. Se estou pensando que estou pensando, então estou pensando que estou pensando que estou pensando. Mas, agora, estou pensando que estou pensando que estou pensando que estou pensando. Logo, estou pensando que estou pensando...
E não parava mais, um espiral cavando o infinito, já que para pensar que eu estava pensando eu tinha de pensar isso, e ficava voltando para trás (ou seria indo pra frente?), tentando chegar ao primeiro pensar (ou ao último). Quando ficava agoniante, eu parava. Ou achava que parava.
Não é por acaso, então, que escrever sobre pensar/pensamento tem sido recorrente aqui neste blog. Eu penso muito. Muito e desnecessariamente. Eu desperdiço pensamentos, porque eu me contento com a ginástica passiva do pensamento, e não miro o seu produto ativo, a ação resultado dele. Eu não aplico a maior parte até porque, quando percebo que me aproximo de alguma conclusão, vou perdendo o interesse. Gosto é do estúpido e inútil espiral da brincadeira de criança quieta. Só que tem hora que pensar atrapalha. Tem muitas horas, aliás – tornando a brincadeira meio séria, cara demais.
Mas como se economiza pensamento? Onde é o “off”? O pause ao menos? Se dormimos, temos a impressão de que não pensamos. Mas e quando pensar não deixa dormir? Porque basta você pensar (!) “Não vou mais pensar nisso” para o “nisso” não sair mais da sua cabeça*. O sono não tem vez com um pensamento treinado em academia como o meu. Pensamento marombado: só quer volume, só quer se admirar no espelho, nada de conteúdo efetivo.
Pior mesmo quando o pensamento não encontra palavras, está na sua fase pré-histórica, imponderável, uma sensação apenas. Bah, aí a insônia vai longe.
Mas, se eu não parar de pensar agora, esse texto não acaba.


*Do Arnaldo Antunes: “Pensamento vem de fora / e pensa que vem de dentro, / pensamento que expectora / o que no meu peito penso / Pensamento a mil por hora, / tormento a todo momento / Por que é que eu penso agora / sem o meu consentimento?”

Asterisco do asterisco: o * é o avô do link, e o hipertexto é neto da nota de rodapé, né?

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