25 janeiro 2006

Da série "Não estou nada bem" (3)

Eu poderia usar a imagem de uma borboleta, e na certa alguém já tentou algo parecido. Uma borboleta sem paradeiro, mas voando leve, na procura tranqüila de qualquer coisa, pousando aqui e ali, cochichando traquinagens com folhas e flores, agradável como a anfitriã para seus convidados em uma elegante e perfumada festa que está começando.
O ato de pensar pode sim ser essa imagem.
Mas, em outras vezes, o pensamento é um inseto bem menos primaveril. Bem menos gentil e sociável que uma borboleta. Uma mosca, por exemplo, uma mosca-gigante _ daquelas que devem ser entre suas próprias iguais alguma aberração genética, um ET na Terra das moscas. Vem zumbindo de longe, decidida, como um agente em missão dentro de um jato. E o zumbido toma conta do ambiente enquanto ela dá rasantes, atordoando, fazendo todo o resto sumir de sua atenção. Apenas ela, ela, ela.
Às vezes, em vez de flanar sorridente e receptivo naquele salão de festas cheio de amigos, o pensamento vem solitário num corredor que você nem sabia que existia – escuro, cinza, úmido –, pisando firme, vem que vem, emburrado. E vem na sua direção, a marcha crescendo, crescendo, crescendo, e ele pára na sua frente, bem perto. E fica ali, ofegante, ocupando espaço, barrando seu caminho, exigindo um entendimento, uma solução, mas sem acrescentar rigorosamente nada para que isso ocorra. Só cara feia. Mesmo que você o encaçape, como é possível fazer com a mosca-gigante usando um copo com a boca virada para baixo, ele fica lá, como ela, se debatendo contra as paredes, ensandecido.

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Bem juntinhas

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eu e a Búio