11 janeiro 2006

Taxistas

Ônibus ou táxi? Ônibus, é claro. Não serve nem lotação, com aquelas poltronas pretensamente confortáveis, aquele corredor estreito, aquelas cortinas! Claustrofóbico demais. Já o problema do táxi é a intimidade forçada. Tem algo mais íntimo do que o interior de um carro? Pensa em pegar carona. Agora, pensa em uma carona à vontade, sem poses, sem equilibrar-se em meias palavras ou cavar o fundo dos silêncios atrás de um algum assunto para fazer a paisagem passar mais rápido. Ficou mais difícil pensar em alguém, né? No táxi você fica ali, à mercê de um estranho, do qual, em tese, você não pode desconfiar como faria no caso de uma carona pega na estrada, por exemplo. Afinal, que feio desconfiar de um taxista-trabalhador-pai-de-família! Então, o risco é velado, você não se prepara inteiramente para ele. E, fora essa paranóia, vamos combinar: um carro, um motorista só para você é brega demais. E burro. Para o dia-a-dia, acho o transporte público muito mais inteligente, mesmo que haja tanto a melhorar nele*.
Mas a questão é que tive de usar táxi mais vezes ultimamente. E surgiram histórias. Taxista é cheio de história – essa é a parte que ameniza. Só nos últimos dias, quatro – duas testemunhadas pessoalmente e a outra metade ouvida por aí. Primeiramente, as duas terceirizadas:


1 – o bombeiro.
Corrida looooonga, com horário pra chegar, não há tempo a perder. O taxista parece saber, porque corre como se uma passageira estivesse preste a dar à luz. De repente, dá uma guinada na direção e desenha meio cavalinho-de-pau na avenida (ainda bem) vazia.
- Caaaaaaaaara, olha aquilo lá – diz, acomodando o carro mais junto ao meio-fio.
Abandona o táxi às pressas, com o extintor de incêndio nas mãos, deixando aberta a porta e a boca dos passageiros. Vai acudir um senhor com a kombi em chamas. Na volta, situação controlada, extintor inutilizado, diz antes de seguir a corrida:
- Maluuuuuco, a brincadeira me custou uns 30 pau.
Será o preço do extintor?

2 – o viajandão

O casal ataca o táxi da calçada e começa a questionar a sorte ao ver o rosto do motorista. Ele não parece, digamos, animado. A primeira impressão é de cansaço, sono. A voz arrastada e a preocupação em justificar a lenta condução a 40 por hora sugerem, no entanto, outras possibilidades.
- Baaaah, eu não corro... Eu não ando mais do que iiiiiiisso. Chegar, vamos chegar, então, para que correr, né? Eu vou na boooa, beeeem na booooa...
O casal chegou.

3 – o bem-informado
Pouco mais das duas da manhã, esquina onde quase toda noite convivem, harmoniosamente, bares, jovens descolados, bueiro, uma parada de ônibus e uma fila de táxis. O motorista quase não percebe a passageira entrar.
- Tava distraído aqui, ouvindo essa gurizada falar. Mas não se entende nada, né? Não dizem nada com nada, né?
O tom não é autoritário, discriminatório. É um tom de quem genuinamente gostaria de entender as palavras e as frases que entravam misturadas janela do carro adentro.
- Eles não parecem muito preocupados com nada nessa vida... – diz o taxista, espantosamente na mosca.
Dali até o destino, a conversa vai da novela das 6 à minissérie do JK, com direito a análises críticas e antecipações do tipo “o que vem por aí”. E quis saber também o que fazia da vida a passageira.
- Estudante? Professora? Dança? Ah, jornalista...
Na despedida:
- Avisa lá que o Sant’ana tá louco. Não dá mais.

4 – o desmemoriado
- A senhorita, por favor, me guia aqui por dentro porque trabalho lá na zona sul e faz tempo que não venho para esses lados.
A corrida é curta, mas realmente cheia de “vira à esquerda”, “vira à direita”, rótulas e vielas enganosas. Tudo bem, diz a passageira.
- Vou contar uma coisa que a senhorita não vai acreditar. Eu tive amnésia. Esqueci de mais de 40% das coisas – começa a contar o motorista.
Meningite, longa recuperação, vida de encostado, que ele não agüentou por muito tempo. Com a garantia do médico de que clinicamente estava bem, voltou a trabalhar no táxi. Sempre que, no ponto, pela rádio que coordena o seu trabalho e o dos colegas, ouve uma rua que a memória não traz, vai ao mapa da cidade e se apresenta à ela. E os amigos que não reconhece? Com eles revive as histórias das quais foi protagonista como quem ouve falar de uma terceira pessoa.
- Estou aprendendo algumas coisas de novo.
Naquela noite, (re)aprendeu o caminho “aqui por dentro”. Eu ensinei.


*Não duvido que daqui um tempo mude de idéia e ache muito necessário ter de novo um carro. Ache realmente que vale a pena se incomodar com toda aquela papelada, legitimar o crime pagando seguro todo o ano, fora gasolina, manutenção e lavagens a cada 15 dias. Ou seja, gastar mais com um monte de plástico e metal do que comigo mesma. Mas, por enquanto, tudo o que disse naquele texto ali é verdade.



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