28 setembro 2005

Lurdinhas

Eu não sou nada fã da Glória Perez. Novela já é um troço limitado por definição, da Glória, então! Seus personagens são tão caricatos, mas tão caricatos que acabam fazendo sucesso ao mesmo tempo em que são criticados. Como se, sob essa lente de aumento da autora, pudéssemos reconhecer nossos defeitos, deslizes, qualidades, acertos, fantasmas, enfim, que no dia-a-dia se mimetizam e vão sendo arrastados, disfarçados, sem uma solução ou uma razão. Tem algo de positivo nessas coisas que a autora inventa, ainda que ela as conte de forma tosca.
Um dos personagens abomináveis de tão grotescos é o da Cissa Guimarães, para mim péssima atriz e eterna apresentadora do Vídeo Show. Desde os primeiros capítulos, suas falas incluem sempre o Glauco (o tio Edson Celulari), suas participações só têm uma razão: o Glauco. É uma mulher bem-sucedida e tal, "bonita", mas que passa a vida em torno do cara. No momento, para fazer ciúme, anda com guris mais jovens, e aí brota da TV todo o não talento da Glória Perez, pondo frases péssimas na boca dos personagens como “Vô dá muito beijo na boca”. Mas é como se na ruindade dessa frase a autora acentuasse o ponto-chave: a personagem da Cissa é uma coitada, uma chata, e aí você, mulher, pensa: hmm, ainda bem que eu sou melhor autora que a Glória e consigo disfarçar a Nina (personagem da Cissa) que tenho dentro de mim. Porque na real é isso que acontece: os telespectadores se identificam com os personagens da Glória Perez, brabo é ouvi-los. A gente quer parecer um pouco melhor do que é. Afinal, fingir ser sensato e normal dá um trabalho! Aí, vem a Glória Perez e faz tudo de qualquer jeito?!?
Como contraponto da Nina, tem a Lurdinha, personagem da Cleo Pires, a filha da Glória (mais uma!) Pires e do Fabio Jr – e, dizem, do Coringa, por causa do sorriso da guria. Passou mais da metade da novela sem ser notada, era mais uma, e lá no fim da fila, do núcleo dos adolescentes da trama. Mas foi a Glória (agora a Perez) inventar uma polemicazinha e a guria pulou lá pra frente. Ao seduzir o tio Glauco, desbancou todas as outras histórias – de adolescentes e de adultos da novela.

Eu acho a guria bonita. Mas realmente ela parece o Coringa quando sorri, e ela sorri sempre. Então, fico me perguntando: por que acho ela bonita? Por que ela é mais convincente que a Cissa? Ela, como esta, também aponta para um personagem feminino que devo carregar comigo. A beleza da ninfeta-coringa é justamente o sorriso fácil. Ela tem consciência de sua felicidade e a expõe. Ela tem consciência do que quer e vai atrás. Eu não sei se a Glória Perez escreve lá: sorria agora, não sorria agora. Eu acho que não. Eu acho que é o jeito da atriz de fazer o negócio. É mais natural (legal, divertido) ser uma Lurdinha do que uma Nina. Aí mora a vantagem da primeira. Eu arrisco dizer que até a Cissa pareceria mais natural/aceitável na pele da personagem da Cleo do que na da Nina, chata/irritante/ridícula - isso se ela passasse como ninfeta, né, o que não é mais possível esteticamente. O que eu quero dizer é que a gente, mulher, se identifica com os personagens mulheres da Glória porque a gente é um pouco (?) cada um deles. Mas a gente acha ruim a novela porque a Glória exagera, estigmatiza. E aí a gente corre o risco de ver nossos fantasmas muito de perto, ridicularizados, vide a Nina da Cissa e seu mundinho pequeno. Mas também a gente tem a chance de ver a Lurdinha da Cleo (cujos exageros são se tornar segura e madura de um dia para o outro e fisgar um tio como o Edson Celulari, vamos combinar: onde tem, hein?): ela é nossa porção leve, nossa porção sorriso (por mais coringa que possa parecer), nosso brilho no olho, nossa vontade de brincar. Eu acho que as mulheres deviam acreditar nesse personagem. Não o da Cléo Pires. No seu próprio, que está guardadinho, lá no fundo, como que proibido. Deviam mesmo.

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