21 setembro 2005

Tráfico de palavra

Meu irmão mais novo, embora pareça mais velho que o mais velho, pelo seu temperamento, mas isso é outra história, às vezes me chama de filha. Não é uma atitude consciente. E isso é o mais engraçado. O filha surge como um vocativo no final de frases que têm o caráter orientador, de conselho. O “filha” sai clandestino ali, como que automático, porque a cabeça dele identifica/qualifica a mensagem como um conselho e, em ele já sendo pai (minha sobrinha Laura tem quase 15 anos – esse quase ela vai adorar, como todos os adolescentes ela prefere dizer a idade que quase tem do que aquela que realmente tem), põe automaticamente o filha no final. Entende? Ele às vezes tenta corrigir, mas quase nunca dá tempo. Engole o “a”, tentando barrar o automatismo de seu cérebro – que não está errado ao relacionar conselhos com o vocativo “filha”, já que realmente existe uma – mas o “filh” sai limpo, principalmente o “fi”. E daí? E daí que eu esqueço o que ele tava dizendo e fico bebericando do som da palavra “filha”, ecoando na minha mente. Meu pai já morreu. É a minha única chance.

Nenhum comentário:

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio