01 abril 2006

Linha de produção

Vai abrir um salão de beleza na Nilópolis – a rua ou a avenida, tanto faz, que para mim será sempre “aquela que vira Nilo (Peçanha)”. Mais adiante, se amontoam pelos menos outros dois, um destes bem evidente, na esquina da Vicente (da Fontoura) com aquele trechinho de rua que alcança a Protásio (Alves) chamado de Neusa Brizola – outra daquelas ruas que vão ser sempre lembradas por qualquer coisa menos pelo nome que lhe deram. A Neusa era um beco, foi aberta à força. Antes, quem vinha da Nilo tinha de circundar uma quadra para chegar até a Protásio. Um parêntese antes de prosseguir. Tem um pessoal ali na Neusa, uma família, acredito, que fica todos os dias e o dia todo sentada em cadeiras de palha na calçada. Os integrantes da tal família se revezam, na verdade, porque é preciso manter algumas cadeiras vazias – pelo bom andamento do serviço, que é esse: “Empalha-se cadeiras”. Eles ficam ali tão à vontade, que me faz pensar: você tira a pessoa do beco, mas não tira o beco de dentro da pessoa, sabe?
Mas, enfim, voltando: eu contava que vai abrir um salão de beleza. Vi a faixa esses dias. Suspirei quase sem sentir. Uns dias depois, diante de outra faixa, estendida em prédio na altura da Venâncio (Aires) em que desemboca a Travessa da Paz, lembrei do salão, o suspiro voltou, ganhou forma e eu o entendi.
Dizia a faixa da Venâncio: “Breve aqui imobiliária”. Mais uma imobiliária. Mais um salão de beleza. Quem precisa de mais um salão e de mais uma imobiliária? Senti um cansaço de vida... Não que eu esteja amaldiçoando o negócio dessa gente empreendedora – até porque não entendo nada de microempresa ou administração. Pelo contrário: é a crença na boa intenção e na força com que essa gente se jogará na empreitada que faz pesar meu desânimo diante das faixas. Cansaço, pessimismo meu de ver tanta energia direcionada para fazer sempre o mesmo, para chegar aonde alguém (no caso do salão e da imobiliária, muitos alguéns) já chegou.
Por que, podendo escolher tantos caminhos, a gente prefere o já percorrido? Por que, podendo ser o primeiro num novo guichê, a gente escolhe entrar na fila? Por que, podendo inventar moda e modos, a gente escolhe a linha de produção*?
Sim, eu sei a resposta: porque é mais fácil. Não tenho propriedade para te (me) convencer do contrário. Minha vida está mais para linha de produção mesmo, apesar da moda e dos modos que, ainda que não inventados, estão sendo sonhados.

*Da série “asterisco metido a besta”
Associação possível com a família do beco: (com tanta liberdade) a modernidade tirou a gente da linha de produção, mas não tirou a linha de produção de dentro da gente.

Nenhum comentário:

Bem juntinhas

Bem juntinhas
eu e a Búio